29 de set. de 2007

Tudo o que vê




Queria muito que minha filha gostasse de transformar objetos do cotidiano. Acho que consegui. Hoje ela carrega tudo o que vê - sementes, penas, palitos, canudos - e leva para casa.

Maria Luísa Mendonça

27 de set. de 2007

26 de set. de 2007

Diagnóstico


Augusto não era a pessoa mais feliz do mundo, mas tinha lá suas alegrias. Entre elas o chopp no fim da tarde e as visitas dominicais dos netos. Era pensando nessas alegrias que lhe doía saber que a vida poderia deixar-lhe ainda antes dos sessenta anos. Resolveu parar de fumar.

25 de set. de 2007

Atmosfera


Gabriel tinha acabado de levar um empurrão, mas estava tão satisfeito com a vida que nem se incomodou. Olhou para trás, soltou um sorriso e voltou-se rapidamente para a direção do palco, onde acontecia o show da sua banda preferida. O peso do empurrão ainda repousava sobre o seu ombro direito mas, sem que entendesse, aquilo havia se transformado numa coisa boa.

24 de set. de 2007

As metáforas das coisas


Luiz às vezes abusava da bebida: isso não era segredo. Mas é que quando bebia compreendia melhor as metáforas das coisas. E viver sem perceber essas metáforas já não fazia mais sentido.

21 de set. de 2007

Sem freios



Vejo estes atores tentando ser outras pessoas e me admira sempre como embarcam no sofrimento alheio sem freios, parecem mesmo gostar.

Fernando Meirelles

19 de set. de 2007

Tudo errado



Você vê a mulher que afogou os cinco filhos e ainda mandaram matá-la: está tudo errado. Ninguém procurou saber por que a mulher matou os filhos.

Letícia Spiller

18 de set. de 2007

Quatro meninas


Seu Domingos nunca teve um filho. Para compensar, foram quatro as vezes em que sua esposa deu luz a uma menina. Hoje as quatro meninas já passavam dos quarenta anos e, aos domingos, sempre almoçavam na casa do pai. Abriam a boca no instante em que atravessavam a porta e só fechavam na hora da despedida. Seu Domingos até achava bonito todo aquele falatório, mas realmente não conseguia acompanhar. Por causa disso tradicionalmente simulava um cochilo no sofá, logo após o almoço. Mas cochilava com um sorriso no rosto.

17 de set. de 2007

Gentileza


Mesmo às sextas-feiras, Mariana acordava às seis da manhã. Em cima de sua mesa, uma pilha de processos trabalhistas. O emprego já não lhe parecia tão interessante como antigamente, mas naquela sexta ela nem se importava. Na noite anterior, no samba que costumava frequentar, havia recebido de um rapaz qualquer um ramo de flores bem pequenas, ajeitadas com cuidado em seu cabelo. Acordou pensando nisso.

13 de set. de 2007

Dura na queda


Dona Leopoldina havia completado oitenta e dois anos no último mês de janeiro. Passeava muito a pé, pois na sua época eram poucas as mulheres que aprendiam a dirigir. As pernas já andavam bambas e não era raro que se estabacasse no chão a cada esquina percorrida. Mas não sentia vergonha disso e nem causava preocupação na vizinhança: era notória a sua habilidade para levantar-se do chão em apenas dez segundos. Costumava, inclusive, arrancar aplausos dos pedestres desavisados que passavam pelo bairro.

12 de set. de 2007

Corisco


Sim, Corisco tinha esse nome em homenagem ao filme. Sofreu um pouco quando criança, mas depois percebeu que o nome difícil o tornara mais forte. Ainda criança aprendeu o valor daqueles que não se abalavam com essa história do nome. Sabia que atos como esses denunciavam um tipo especial de desprendimento, que muito lhe interessava.

11 de set. de 2007

Depois das nove


Lídia nunca cedia ao impulso de tocar campainha na casa da vizinha depois das nove da noite. Não era por vergonha, mas por saber que aquilo despertaria na vizinha uma irreversível impressão de intimidade.

2 de set. de 2007

Sem pudor


Quanto mais falamos sobre sexo, mais o reprimimos. Isso porque criamos esquemas que julgam e comparam as práticas sexuais.


Michel Foucault