31 de jul. de 2003

Aconteceu


Diante de mudanças na vida ou em nós mesmos costumamos pensar: O que foi que aconteceu para que isso mudasse? ou Qual foi a causa disso tudo?. Muitas vezes temos como resposta: Não foi nada. Aí penso: às vezes é assim mesmo. Às vezes as coisas mudam sem que nada de notável tenha acontecido. Tanto dentro como fora da gente, há muita coisa que não cabe no entendimento. Não há explicações, anúncios, sinais, nada disso. Talvez seja bom pensar que nascemos e morremos a cada piscar de olhos. E que a vida só precisa fazer sentido durante cada um desses períodos. Em vez de exigir coerência e buscar um porquê para as coisas, que tal viver o que acontece?

Me lembro de um texto teatral: Um dia eu tinha vinte anos e tudo o que eu queria era ter uma história pra contar. Então a personagem ficava louca atrás de um grande acontecimento que determinasse o início da sua história, um marco inicial para que as coisas começassem a acontecer.

Aí me lembro também de uma música que a Adriana Cancanhotto canta.

Aconteceu
Péricles Cavalcanti

aconteceu quando a gente não esperava
aconteceu sem um sino pra tocar
aconteceu diferente das histórias
que os romances e a memória
têm costume de contar

aconteceu sem que o chão tivesse estrelas
aconteceu sem um raio de luar
o nosso amor foi chegando de mansinho
se espalhou devagarinho
foi ficando até ficar

aconteceu sem que o mundo agradecesse
sem que rosas florescessem
sem um canto de louvor

aconteceu sem que houvesse nenhum drama
só o tempo fez a cama
como em todo grande amor


30 de jul. de 2003

Instinto primário


O que é cultural e o que é natural do homem? Esse é uma discussão bastante freqüente e certamente interminável. Engrosso a turma que acredita que quase tudo o que fazemos está impregnado de cultura. Hora de sentir sono, de sentir fome, de ir ao banheiro. Isso ninguém discute. E vou um pouco mais longe. Na maior parte das vezes, ficamos tristes com o que culturalmente é triste, e o mesmo acontece com a felicidade. Muitas vezes rimos do que é culturalmente engraçado, e com o riso - que já não quer só rir - queremos dizer alguma coisa. Seja que entendemos a piada, que estamos distantes do alvo do riso, que somos superiores e não nos importamos. Outras vezes rimos naturalmente, quando somos surpreendidos por um acontecimento ou por uma resposta inesperada. Aí é riso legítimo, riso que quer rir e mais nada. E como é importante lembrar: há uma enorme distância entre o engraçado e o ridículo.

E tem aquela dúvida sobre a natureza humana, talvez a mais abrangente: o ser humano é bom e a sociedade o corrompe ou é mesmo mau, maquiavélico? Poxa. Essa não me atrevo a responder. Todos falam sobre o quanto as crianças (a princípio, seres com menor taxa de cultura) são cruéis e, afinal, quem não tem um caso desses pra contar? Ao mesmo tempo, as crianças são capazes de atitudes tão nobres. O Nikos fala que tudo é potencialmente de todos e que existe apenas uma grande essência à qual todos tem livre acesso.

E o ódio (leia-se medo) e a violência, serão naturais do homem ou culturais? O Roberto Freire, no Sem Censura, disse que uma pessoa só se torna violenta quando não consegue se aproximar do que ama. Pra mim fez todo sentido. E fico contente ao pensar que, antes da violência, vem o amor. Que seja ele o nosso instinto primário, então.

29 de jul. de 2003

O coraçãozinho


A parte das férias que se passa em casa é mesmo incrível. Veja só a criação desse blog. Além disso, quase que inevitavelmente, acabamos vendo muita coisa que passa na TV. Desde a cara de fuinha das meninas que tomam fora no finalzinho do Fica Comigo até o Te Peguei da Luciana Gimenez. Não há uma distância tão grande entre as duas atrações, mas faltaram exemplos melhores. Enfim, um dia desses, eu assistia uma entrevista com a Paloma Duarte no Vídeo Show. Pra disfarçar, a repórter perguntava sobre a carreira, os projetos, opiniões sobre a TV, preferências e interesses artísticos. Mas estava óbvio que o que ela mais queria perguntar era o estado civil da atriz. No fim da entrevista, veio a tal pergunta. Persisti no canal, afinal essas perguntas seduzem mesmo o telespectador. E veio: Paloma, esse coraçãozinho tem dono? Aí ela disse, segura: Tem. É meu.

Boa lembrança. Cada um é o maior - senão o único - responsável pelo que lhe acontece, ainda que às vezes pareça que não. Para que o tal coraçãozinho pertença a outra pessoa, o titular precisa abrir mão. Enfim, tudo o que recebemos inevitavelmente passa pelo nosso olhar e pelo nosso filtro. É sempre bom lembrar disso. Perguntas idiotas podem gerar boas respostas.

28 de jul. de 2003

O bárbaro


Ele sabia que é vergonhoso não poder dominar o coração. Lágrimas, palavras ternas, gestos desorganizados, familiaridades vulgares, tudo isso eram fraquezas indignas do homem. Nós, que éramos tão unidos, nunca havíamos trocado uma palavra afetuosa. Brincávamos e nos arranhávamos como feras. Ele, o homem fino, irônico, civilizado. Eu, o bárbaro. Ele, controlando, esgotando com naturalidade num sorriso todas as manifestações de sua alma. Eu, brusco, explodindo num riso inconveniente e selvagem.

Às vezes a gente se acostuma com uma amizade ou um relacionamento, e ele se torna muito prático e funcional. Novidades, casos, favores, baladas, encontros eventuais. Tudo funciona muito bem. Mas de vez em quando faz bem trazer à tona toda a subjetividade que existe em qualquer relacionamento. Afinal, não dá pra saber exatamente o porquê de cada amigo ser tão querido. Mas é. Então, sempre vale à pena fazer um esforcinho e, ainda que fora de contexto, dizer ao outro o quanto ele é importante. Pode ser que não mude nada, que só confirme uma certeza já existente. Mas ô. Faça isso e veja como faz bem.

Quem disse o que está lá em cima foi um personagem que se despedia de um amigo. Mais uma vez, quem me contou foi o Nikos.

27 de jul. de 2003

Devaneios dominicais


Que palavra bonita é avenida. Uma palavra que sorri. Se avenida não significasse nada ou significasse alguma outra coisa, minha hipotética filha se chamaria Avenida. Já pensei e discuti muito esse assunto, e nunca me surgiu palavra mais bonita.

Palavras feias são fáceis de se encontrar. Sempre defendo musculatura como a palavra mais feia. Cheia de quebras, não flui na boca e parece até não querer sair. Haja esforço. Não sei se é por parecer e não ser a palavra água, mas alga e algo são outras palavras bastante desagradáveis. (Não, "água" não é uma palavra bonita, mas é uma palavra querida, sobre as quais talvez falarei em outro post). Aliás a letra g prejudica qualquer palavra. Assim como o som de lh. Por exemplo: agulha. Parece uma palavra bonita, é uma imagem agradável; mas, quando bem pronunciada, é fácil perceber o quanto é feia. E chega. Escrever mais de quinze linhas sobre isso pode ser o primeiro sintoma. E tome cuidado, ler também.

26 de jul. de 2003

Desenvolvido


Uma tendência que vejo em você é o temor de encarar toda a seriedade desse trabalho: você experimenta algo como uma necessidade de rir, de fazer pouco, de comentar o que você e seus camaradas executam. É como se quisesse fugir a responsabilidade que sente em relação ao próprio trabalho e que consiste em estabelecer uma comunicação com os outros homens e assumir as conseqüências do que revela.

Já há algum tempo, frases como "não estou me dedicando muito", "estou fazendo tal coisa só para ver no que dá", "não ligo muito pra isso" podem ser ouvidas por todo lado e a todo momento. Em algumas situações não se faz necessário ou é mesmo complicado se envolver ou se entregar totalmente a um projeto. Seja lá esse projeto um namoro, um novo trabalho, um regime, um vídeo, um concurso... Mas diante da crescente freqüência desse tipo de postura, às vezes me pergunto se não trata-se de uma defesa, ou mesmo de conformismo. É claro que não dá pra se envolver por inteiro em tudo o que se faz, mas é fundamental acreditar - e assumir que acredita - em alguma coisa.

A falta de dedicação e a aparente despreocupação em relação a um projeto podem funcionar como boas desculpas para o sempre possível (e sempre aceitável) fracasso. Desculpas que são aceitas socialmente, e também pelo próprio indivíduo. Que levam a uma situação de pleno conforto: se nada é importante e nada faz real diferença, com o que se preocupar? Aí entra uma postura ainda mais nítida. A necessidade de rir e de fazer pouco de quase tudo.

Aula boa é aula engraçada. A pessoa mais admirada? Aquela que não se importa e não se envolve com nada. Que consegue passar sem saber nada da matéria. Que deixa pra depois um amigo um pouco distante ou precisando de uma boa conversa, mas sabe o nome de todas as pessoas da balada.

Na Teoria Política, Calligaris determina duas posturas: "gozar" e "construir". Gozar é ter prazer momentâneo; e construir é algo como investir num estado de prazer. A Teoria Política refere-se, com isso, à relação entre cidadão e pátria. Na vida, enxergo nitidamente essas posturas nas relações entre duas pessoas. É claro que gozar tem seu lugar e seu valor. Ô se tem. Mas tentar construir é estar na vida por inteiro, colocar-se em cheque. É o que me dá sentido.

O trecho em itálico é um fragmento da Carta ao ator D., escrita por Eugênio Barba, precursor da Antropologia do Teatro e orientador de um grupo de atores no qual teatro e modo de vida se misturam. Experimente substituir a palavra "trabalho" pela palavra "vida" no trechinho lá de cima.

25 de jul. de 2003

Acima da verdade

Acima da verdade existe outro dever muito mais importante e muito mais humano.
Nikos Kazantzakis

Alô?
Alô, quem fala?
É o Daniel.
Você é filho do Prof. Eros?
Sim, sou eu.
Ele está?
Não...
Está viajando?
Não, não...
Sei. Sabe quem está falando? Aqui é o Eduardo. Eu fui colega do seu pai na Escola de Guerra, lá em Viçosa. Nós também estudamos o científico juntos... Nós morávamos na mesma república, éramos muito amigos naquela época. Depois cada um foi fazer a sua Universidade... Depois disso nos encontramos poucas vezes. Mas eu fui ao casamento do seu pai, conheci os dois filhos quando nasceram... Nunca perdemos contato. Mas já tem alguns anos que não nos falamos... Você já se formou?
Não, não. O senhor não deve saber, mas depois de dez anos meu pai teve outro filho, que sou eu. Eu tenho 19 anos. O senhor deve estar me confundindo com meu irmão.
Ah, é verdade. O seu irmão é o... Rodrigo. E a mais velha é mulher, né? Já se casaram?
A Vanessa já se casou e tem um filho e uma filha. O Rodrigo vai se casar no ano que vem.
Que bom. E a sua mãe, está boa?
Tudo bem, tranqüilo.
E a sua avó, como está? Quando conversei com seu pai ela estava doente...
Ainda está doente, está velhinha... mas tudo tranqüilo. A situação é estável.
Que bom. Fico feliz. Então, Daniel... é Daniel mesmo, né?
É.
Então diga ao seu pai que o Eduardo de Viçosa ligou. E mande um abraço pra ele.
Pode deixar. Um outro abraço para o senhor...
Foi um prazer falar com você, Daniel. Um abraço pra você também, para os seus irmãos e para a sua mãe. Ela deve se lembrar de mim...
Pode deixar. Até mais, Eduardo. Pra mim também foi um prazer.

Bom. Nessa época meu pai tinha morrido há uns quatro meses. Não sei se preferi ou se não consegui falar a verdade. De qualquer forma, não me arrependo e até me orgulho.

24 de jul. de 2003

Escolha


Às vezes imagino como seria minha vida se minha mãe fosse uma desequilibrada que gritasse o dia inteiro e tentasse me controlar. Se a nossa convivência fosse um inferno e se, por diversas vezes, eu tivesse fugido de casa e dormido por aí. Talvez eu teria mais amigos próximos, conheceria mais mães de amigos e seria alguém mais independente. Talvez eu teria menos dinheiro, por almoçar menos em casa e viajar mais. Poderia beber mais cerveja ou, quem sabe, estar nas drogas. Ou talvez eu me esforçaria mais para arrumar um emprego qualquer que tivesse salário, para o mais breve possível me livrar desse fardo. Talvez eu teria preferido fazer faculdade em Viçosa. Quem sabe eu teria saído de casa aos quinze anos, ido morar na casa de algum amigo por aqui mesmo ou num albergue lá em São Paulo. Aí alguém da MTV me conheceria e eu acabaria me tornando VJ. Também seria possível eu morar na casa de uma tia no interior de Minas ou até numa fazenda. Então eu trabalharia ao invés de estudar e até já estaria noivo. Opa! Vai ver eu já teria um filho. Ou então, o pior: talvez eu ainda moraria com a megera da minha mãe. Aí ela continuaria me sustentando, mas jogaria isso com alguma freqüência na minha cara. Aí eu viajaria menos. Ou estaria no mesmo lugar.

Imaginar é das melhores coisas. Faz lembrar o quanto cada um é livre. Faz pensar em quantas possibilidades moram em cada pessoa. Infinitas. Faz perceber que seguir o caminho mais curto pode levar mais longe, e que o contrário também pode acontecer. Não há regra. Cada momento, e nada além de cada momento, tem muito valor. Nos lançamos ao incerto até mesmo quando a escolha é não se mover. Não tem jeito, jogamos a cada instante todo o nosso destino.

23 de jul. de 2003

É fita


Tenho dois sobrinhos-crianças, Lucas e Marina. Seus pais sempre compraram e alugaram muitas fitas de vídeo para os dois, além de sempre os levarem ao cinema.

- Oi, Marina. O que você fez hoje?
- Hoje eu vi o filme da Xuxa e os Duendes 2.
- Olha. E o filme era legal, Marina?
- Era.
- E como era a história do filme?
- Tinha a Xuxa... que era amiga dos duendes. Tinha a Angélica, que era fada. E tinha o duende... E tinha o Aranha...
- O Aranha? O Aranha não é de outro filme, Marina?
- Não, ele era amigo da Xuxa, do duende... O duende era pai do Aranha.
- Anh... Mas o duende era pai do Aranha? De verdade?
- É verdade... (pensativa) É mentira... (pensativa) É fita.

Que alegria. Uma menina de três anos que já sabe que há diversos degraus entre a verdade e a mentira. Entre eles, a ficção e a tal fita. Fita que não passa de um olhar sobre uma realidade, que não pode ser chamado de mentira nem de verdade.

22 de jul. de 2003

O melhor


Não existe o ódio, só existe o medo. Ô frase forte. Quem disse foi o Drummond. Muita coisa fica mais clara quando se acredita nisso. Entre elas, que só o que ameaça pode ser odiado. Odiamos o que está fora do nosso controle, o que é imprevisível e independe da nossa vontade. Tudo o que tem um poder desconhecido.
... só existe o medo. Aí vem uma pergunta. Do que temos tanto medo? Tanto medo que é capaz de gerar coisa forte feito o ódio? Aí vêm algumas respostas... Medo de morrer. Medo de ser esquecido após a morte. Medo de que ninguém se lembre de nada, de passar batido. Então tudo e todos os que nos ameaçam nessa tarefa são odiados. Tudo por causa do medo de não ser o melhor. Porque durante a vida inteira ouvimos e vemos que só o melhor é lembrado, que só ele tem vida "eterna".
Mas há coisa mais relativa que "o melhor"?

19 de jul. de 2003

Clóvis


Chegando no meu prédio, vi na guarita um novo porteiro. Me aproximei, disse meu nome e meu apartamento, ele me deixou entrar. É precária assim a segurança do meu prédio, fazer o quê? Ao menos é perto da Polícia. Enfim. Ao acabar o processo padrão, o novo porteiro disse, com um sorriso meio sem graça no rosto: "Meu nome é Clóvis. É o meu primeiro dia...". Meu Deus. Quase passei mal. Aí eu disse como pude: "Prazer... Então é você que vai estar aí daqui pra frente..." e dei um sorriso acompanhado por um "Boa noite". Foi o melhor que consegui.

Poxa. Minha relação com porteiros sempre foi complicada. Ou melhor, nunca existiu. Eu nunca soube como me comportar diante deles, e é isso que complica. Na verdade, isso se estende para a secretária do dentista, a faxineira do trabalho, o moço da cantina e por aí vai. Mas com o porteiro do próprio prédio é mais complicado porque ele está lá todos os dias. Não dá pra evitar. E, mesmo assim, é alguém que você pode cumprimentar todo dia e não passar disso. Mas me incomoda pra caramba ignorar as preferências, as opiniões e os problemas de alguém tão presente na minha vida. Dizer aquele "Tudo bem?" e nem parar para escutar a resposta é das coisas mais chatas... Me incomoda de verdade.

Mas hoje vi no Clóvis a esperança de resolver essa situação. Penso até em me arriscar a andar de skate com os meninos do prédio, pra poder passar mais tempo lá embaixo.
Ah. E Clóvis é um nome que me toca de um jeito muito especial. Na mitologia do Carnaval, o Clóvis é o palhaço triste. Aquele que ri no picadeiro e chora na cama, de certa forma como todos nós. Esse nome me faz lembrar que tudo tem um outro lado. E que por trás do sorriso meio sem graça do Clóvis aqui da portaria pode ter uma pessoa encantadora, uma grande força ou um ótimo senso de humor. Enfim, é sempre bom lembrar que há algo de muito humano em todos nós. E que isso é o que mais vale.

O corpo maior


Tal como lutas pelo teu corpo menor, luta também pelo maior. Luta para que todos esses corpos teus se tornem robustos, frugais, preparados. Para que suas mentes se aclarem, para que seus corações palpitem de ardor, bravura e inquietude. Como poderás ser forte, lúcido, destemido, se essas virtudes não galvanizarem por inteiro o teu grande corpo? Como te poderás salvar se não se salvar todo o teu sangue? Um de tua raça que pereça acarretará tua ruína. Uma parte de teu corpo e de tua mente irá corromper-se.

16 de jul. de 2003

Pra viagem


Mas hoje resolvi falar sobre o risco que uma viagem pode se tornar. Não, não falo sobre o mau estado das estradas, de turistas perdidos e assaltados, de acomodações desconfortáveis, banhos mal tomados e afins. Falo sobre o conforto do lar. Conforto que pode se tornar um enorme desconforto nos dias que sucedem uma boa viagem. Ao chegar de viagem, sinto-me como quem começa tudo do zero: desde a posição ideal pra dormir até o retorno ao ciclo de amigos. Tudo requer muito esforço e dedicação.

As coisas que acontecem durante a viagem me parecem mais interessantes e promissoras do que o daqui por diante. Ainda que não haja uma rotina à espera, tudo não passa de realidade. E o que se faz na realidade tem conseqüências e precisa ser bem pensado. Complicado isso de ter que pensar, medir e premeditar.

Já me vi diversas vezes pensando no porquê de viajar fazer tanto bem. Por agora, tenho algumas hipóteses: a imprevisibilidade de cada dia, a disponibilidade para conhecer pessoas e lugares, a presença do novo, a liberdade. E por aí vai. Conclusão? Nem consigo imaginar.

De qualquer forma, me vejo aqui, imóvel e incapaz de me afastar das memórias da minha já saudosa viagem. E acabo ficando nessa imobilidade, tentando evitar a inércia que o cotidiano impõe à minha vida.

Opa. Talvez já tenha uma nova hipótese. Nunca imaginei que fosse me basear naquelas leis da física, mas vamos lá. Em casa, a inércia leva cada um ao movimento de sempre. Movimento inconsciente e confortável, que aceitamos numa boa, mas que é quase como ficar parado. Numa viagem, a "ausência total de forças" leva cada um a uma inércia que paralisa. E ficar parado quando estamos viajando é coisa inaceitável. Nesse momento, cada um se impõe à tal inércia e age. E agir sobre o caminho que as coisas naturalmente tomariam traz a certeza de viver. Traz a certeza de se lançar ao risco constante que faz a vida valer à pena.