30 de nov. de 2003

Sem rumo


A gente bebe um copo de vinho e o mundo perde o rumo. A alma cresce e desafia Deus para a luta.

Começou a ler um livro em homenagem ao amigo. Visitou o tio e jogou com os primos pós-crianças. Combinou de fazer qualquer coisa no fim de semana com o monte de gente. Associou-se a mais uma locadora de vídeo. Interessou-se pelas novas músicas. Comemorou o dinheirinho surpresa que viria em boa hora. Propôs amor àquela mulher, um dia depois de conhecê-la. Marcou duas reuniões. Fez favores sem pedir nem querer nada em troca. Basta ouvir um agora não para que nada disso faça sentido. Coisa estranha essa vida.

- Você não quer amolações? Então o que quer você? A vida é uma amolação. A morte não. Viver, sabe o que quer dizer? Desfazer a cintura e procurar encrenca. A vida ainda não nasceu, é feita da luz em que são tecidos os sonhos.
- Numa vida cabem todas as possibilidades. Potencialidades. Pontos finais. Escolha entre eles.

Como seria diferente o caminho que escolheria! Encheria minha alma com carne.

- Próximo!

Nas descidas as pedras ganham vida.

É assim que os grandes poetas vêem as coisas pela primeira vez. A cada manhã descobrem um novo mundo novo que eles próprios criam.

Quem sabe outro dia.

27 de nov. de 2003

Auto-retrato


Sou de Belo Horizonte. Dou muita carona. Sempre fui bom em Matemática. Nunca fumei cigarro. Amo chorar. Me canso rápido de algumas pessoas. Sou um espírito antigo. Queria morar numa cidade com praia. Queria acordar mais tarde. Invento histórias. Crio coincidências. Falo firme. Sou muito alto. Sou careca. Amo meus irmãos. Acho a Letícia Spiller a pessoa mais bonita que existe. Gosto de mudar os móveis de lugar. Sou muito organizado. Meu carro é sujo. Tenho ótima memória para sobrenomes. Tenho ótima memória para telefones. Já quis ter olhos verdes. Já tive todos os animais tradicionais de estimação. Queria morar na mesma casa que meus irmãos. Me apaixono rápido. Queria ter menos pêlos. O Nikos Kazantzakis é meu guru. Gosto do que o Stig Dagerman escreve. Adoro ler o que os meus amigos escrevem. Gosto de acordar cedo na praia. Não quero morar longe da minha família. Adoro receber bilhetes e cartas. Já chorei lendo um livro. Gosto de dormir cedo. Não gosto de telefonar para ninguém. Cito muito o Nikos. Tenho uma cicatriz no dedo médio. Adoro dançar. Me considero inteligente. Adoro limonada suíça. Odeio mosquito. Queria desenhar melhor. Minha letra é muito bonita. Já chorei em peça de teatro. Converso muito sobre o passado com a minha mãe. Tenho as palmas das mãos bonitas. Adoro economizar. Gosto de acampar. Adoro maçã. Prefiro coisas de queijo. Presto muita atenção nas aulas. Tenho saudade do colégio. Sinto falta de andar a pé. Tenho muita saudade de amigos antigos. Compro mais discos que livros. Nunca chorei ouvindo música. Já chorei no cinema. Nunca grito com raiva. Detesto que gritem comigo. Dirijo devagar. Avanço muito sinal. Amo flertar na balada. Não tenho televisão no meu quarto. Não acho a Luciana Gimenez burra. Amo fotos. Já chorei em museu. Tenho saudade do meu pai. Adoro sorvete. Como chocolate todo dia. Como pouco. Dizem que sou muito tranquilo. Adoro jogar baralho. Prefiro quem não leva jogo a sério. Não experimento comidas e bebidas caras. Adoro água. Gosto de almofada. Adoro ir à casa das pessoas. Tenho preguiça de fazer massagem. Gosto de lutar. Nunca fui à Disney. Adoro João Pessoa. Gosto de todas as cidades que já conheci. Amo viajar. Sou muito observador. Guardo coisas que as pessoas jogam fora. Enfeito meu quarto com coisas que as pessoas escondem. Adoro olhar a estrada pela janela do ônibus. Amo encontrar pessoas por acaso. Gosto de abraço apertado. Gosto de muitas pessoas sem motivo. Já traí. Não tenho roupa marrom nem bege. Deixo tarefas para a última hora. Não suporto gente que acha que sabe tudo. Gosto de ver mulheres elegantes. Gosto de gente tranqüila. Adoro a Ula e a Carol. Não procuro culpados. Tenho uma curiosidade patológica sobre a vida alheia. Acho as pessoas fascinantes. Já chorei em despedidas. Tenho dificuldade em terminar as coisas.

26 de nov. de 2003

Cíclico


Já há algum tempo se sentia seguro porque tinha alguém que lhe falava sobre tudo e dessa pessoa ele sabia todas as opiniões. Sabia todos os detalhes de uma vida que não era nem mais nem menos extraordinária que a sua, mas só por saber se tornava muito mais interessante. Como preço dessa segurança, tornava-se um pouco vulnerável à medida que também precisava falar da sua vida para esse alguém.

- Do desejo à necessidade. Da próximo à amizade. Relevar a verdade. Revelar a ansiedade. O particular é suspenso. O acaso, abdicado. Sem liberdade, sem atitude. Sua passividade: viva realidade.

24 de nov. de 2003

Devaneios midiáticos


A Hebe precisa ser interditada. Ela parece não entender que qualquer coisa que ela diz - e ela sempre diz qualquer coisa - será ovacionada por todo aquele auditório. Não é a primeira vez que ela diz que deveriam matar alguém, ou que ela mesma o faria. E depois sai numa passeata pela paz. É muita cara de pau.

23 de nov. de 2003

Devaneios midiáticos


Há muito os devaneios dominicais vêm deixando saudades nos leitores desse blog. Depois do post sobre a Gimenez, escreveria algo sobre a Luíza Brunet. Algo breve como: Ela é fantástica, frequenta todos os programas de TV para falar sobre sua família, seus filhos, contar uns casos da época em que era mais jovem. Ela não fala de novos projetos, não se intromete no mundo das idéias. Traz à televisão o mundo da vida, tão fascinante quanto esse outro. Com cuidado, pode-se dizer que ela poderia ser qualquer pessoa, que ela diz o que qualquer pessoa poderia dizer, e isso é fantástico. Outro dia ela disse uma coisa que tenho repetido por aí: As pessoas devem ter a beleza da idade.

21 de nov. de 2003

Soma


A descoberta do inconsciente foi maravilhosa e uma das maiores do século passado. Mas, em tratamento, Freud procurava detalhes no passado, como um detetive. Os problemas psicológicos, para mim, estão no cotidiano.

Roberto Freire

19 de nov. de 2003

A última


Nada para fazer diante do computador. Já havia pesquisado o que queria, inclusive as estréias da semana. Já havia feito aquele favor para seu pai, que nada entendia de computador. Fazer aquele trabalho para a semana que vem seria demais, não estava assim tão disposto. Lembrou-se então daquele que, ao voltar de viagem, seria o seu novo amigo. Já havia decidido aquilo e acreditava que toda pessoa precisa de novos amigos depois de uma longa viagem. Como já estava decidido, não havia mais no que pensar. Revirar as músicas, talvez. E achou aquela música que lembrava-lhe uma amiga daquela época em que nada se interessava por música. Olhou para todos os discos que comprou para agradar a nova amiga. Por sorte e por acaso, aqueles discos também agradavam-no. Lembrou-se daquele dia em que a amiga levou-lhe um disco, que se quebrou dentro da mochila dela. Que pena. Sua vida poderia ter mudado depois de ouvir aquele disco. Sim, era pouco provável, mas ainda assim era possível. Ouviu dizer que a esperança é a última que morre.

13 de nov. de 2003

Despedidas


É certo que todo dia há alguma. Em toda vida. Às vezes nem são percebidas, passam como se nada acontecesse. Como se nenhuma posibilidade ali se anulasse. Em alguns casos, é válida a celebração de um fim (ou de uma interrupção, afinal). As duas partes podem, com algum esforço, continuar em contato. O que incomoda (e às vezes dói) é a consciência da redução do potencial do acaso.

- Gosto da possibilidade de te encontrar por ai, por acaso.
- Uma pena essa possibilidade ter seus dias contados.

10 de nov. de 2003

Por amar


Sempre que beijava, se apaixonava. Sempre queria mais. Acabava se relacionando com cada pessoa inesperada... Surpreendia a todos, e até a si mesmo.

Decidiu que era hora de amar. Na primeira oportunidade, se apaixonou. E fez de tudo para que a paixão fosse das mais bonitas. Forjava surpresas, criava coincidências, inventava bonitas histórias, acreditava em eterno amor. Queria ter uma história pra contar, uma vida bem vivida pra exibir, uma felicidade que fosse incontestável. Ou então queria ser feliz e achava que era assim que se fazia. Não sabia muito bem o que queria, mas decidiu que era hora de amar. Ouviu que um famoso pensador disse que cada um vive na realidade que cria. Resolveu viver um romance com a primeira que lhe apareceu. Abriu mão de algumas coisas e se apaixonou. Estava feito.

- De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.

5 de nov. de 2003

Realidade noturna


Sonhos muito reais são assustadores. Se misturam com a realidade, confundem as relações e deixam marcas. Como um pé atrás com alguém que te avacalhou num sonho ou um pé à frente com um outro alguém que te deu bola noutro. Tenho sonhado com a realidade, ultimamente. Sonho que entreguei dois ingressos do show de hoje para uma amiga, que meu irmão chegou de lua-de-mel, que minha professora me deixou fazer prova de segunda chamada porque eu estava doente, que beijei quem eu beijei mesmo, que eu fui a um churrasco de reencontro da minha série do colégio e por aí vai. Hoje à noite vou fazer um esforcinho para sonhar que eu e a Luíza Brunet estávamos na casa antiga da minha avó, quando de repente uma manada de búfalos invade a sala. Então eles sequestram a Luíza Brunet e descem a rua, rumo à igrejinha, onde haveria um culto satânico com a presença do Schumacher. Então minha avó poderia levantar-se da cama e, magistralmente, montar num cavalo e perseguir os sequestradores.

4 de nov. de 2003

Turn my way


I don't wanna be like other people are
Don't wanna own a key, don't wanna wash my car
Don't wanna have to work like other people do
I want it to be free, I want it to be true


De volta à realidade. É bom ser como os outros. Mas é uma pena perceber que, sem trabalho, a vida muda totalmente de tom. Me atrevo a dizer que fica um tom abaixo. Mais sono, menos ritmo, menos disponibilidade. É uma pena perceber a consolidação do trabalho como fim. Bons tempos aqueles em que o trabalho não passava de um meio. Deixa estar.