11 de abr. de 2005

Flora



Uma criatura muito feliz. A melhor companheira de que consigo me lembrar. Foram várias as vezes em que, no meio da noite, vinha dormir na minha cama. Chegava devagar e deitava num cantinho sem fazer nenhum barulho. De manhã, antes que eu acordasse, saía do meu quarto e voltava para o seu lugar. Também foram muitas as noites que ela passou na cozinha, sentada numa cadeira, olhando a rua através da janela menor. Quando alguém esquecia a porta destrancada, ela descia as escadas e ia ver a rua mais de perto. Permanecia entre as plantas do pequeno jardim que havia na frente do prédio até que o sol nascesse.

Ela gostava de ver as pequenas estrelas que se acendiam e se apagavam na rua.

De manhã, era sempre a primeira a aparecer na sala. Recostada num cantinho do sofá, recebia com um olhar macio todos os que cruzavam a porta do corredor. Eu sempre a cumprimentava com um carinho, assim como meu irmão. As outras pessoas costumavam não nota-la. Ela parecia não se importar com isso, ao menos nunca reclamava nem alterava sua expressão, tão calma e pacífica. Ninguém a levava a sério, ninguém prestava muita atenção nela. Às vezes ela passava o dia inteiro andando pela casa, passando por todos os cômodos, olhando para cada pessoa até ganhar um sorriso ou uma palavra. Gostava de retribuí-los, quando era o caso.

Entre noites em claro, dores desumanas e alegrias instantâneas foi que a ela se apagou. Desde então meu irmão e eu passamos algumas noites em claro, do jeito que ela gostava que as noites fossem. Num dia desses, no meio de uma noite dessas, papai veio nos chamar para conhecer a sua nova esposa.

Uma moça simpática, um pouco mais nova e mais agitada que a mamãe.