30 de ago. de 2003

É isso


Ouvi dizer que a gente pode saber que gosta de alguém quando fica feliz com a felicidade desse alguém. E isso traz mais certeza do que o estado em que ficamos tristes com a tristeza desse alguém.

25 de ago. de 2003

Mal-estar


Há algum tempo li um texto chamado Mal-estar na civilização. Eram alguns questionamentos que constatam a dificuldade dos seres humanos em encontrar sentido para sua existência e o mal-estar que isso gera em cada um de nós. Até há pouco, não me lembrava mais desse texto. A mudança aconteceu quando meu professor falava justamente desse mal estar. E que, para sair do inevitável mal-estar (há quem duvide da sua existência?), tínhamos quatro caminhos.

Estranho. Não me lembrava que o texto oferecia soluções... E como eu queria sair de mim nesse momento e ver a cara que fiz. Poxa. Especialmente hoje, naquela manhã em que eu poderia ser definido como a personificação do tal mal-estar... Finalmente eu descobriria uma solução para tanto, e ainda poderia escolher entre quatro caminhos. Era muita felicidade. Meus olhos devem ter brilhado, meu pulso acelerado e, quem sabe, um sorriso eu devo ter esboçado. Enquanto eu soltava fogos de artifício por dentro, meu professor falou os quatro caminhos.

Sexo, drogas, religião e arte. Ih. Logo depois falou o óbvio: que não dá pra fazer sexo o tempo todo, que se drogar o tempo todo também é muito complicado, que seguir cegamente uma religião é muito conformista e pouco humano. Restou a arte, então. À medida que era uma aula sobre a História da Arte, achei essa constatação bastante suspeita. Acho que o caminho é mesmo balancear os cinco pesos: sexo, drogas, religião, arte e mal-estar. São quatro contra um. Poxa. Dá pra ganhar...

23 de ago. de 2003

O silêncio


Foi a primeira coisa que existiu: o silêncio que ninguém ouviu. Quem disse foi o Arnaldo Antunes. E hoje eu tento falar sobre o silêncio. Não falo do silêncio do só, empiricamente produtivo e necessário, mas do silêncio a dois. Ontem ouvi que o silêncio é fértil. E bem possível, pode ser. Há quem se incomode muito com um momento de silêncio, o que torna-o um momento propício para palavras que não seriam ditas no movimento inerte da conversa cotidiana. O silêncio quebra a inércia e impede que embarquemos nela. Ao contrário dos objetos em repouso, a tendência de objetos (humanos) em silêncio não é permanecer em silêncio.

Um dia meu professor disse que a natureza não suporta o vazio. Há sempre uma busca por preencher seus espaços vagos: dentro de um tronco velho, entre duas pedras, num vale... A natureza sempre tenta preencher, seja com um musgo ou uma casa de passarinho. Caixas e garrafas vazias, com o tempo, se enchem de poeira. As pessoas, como parte da natureza, também rejeitam o vazio. Não importa se é um vazio aparente ou se não passa de um estágio do almejado preenchimento. Parece ser sempre necessário estabelecer alguma relação entre duas pessoas. Ainda que seja uma relação de poeira. Eu, por agora, me lembro de uma época em que lidava melhor com o silêncio. Ontem tive dificuldades com o silêncio, mas me surpreendi. Ao invés de poeira, do silêncio nasceu um ninho. Um lugar para crescer e provocar crescimento.

O Nikos diz que o que nos move, na vida, é um grito. Cada um serve de ponte para um grito. Disso eu falo depois. Hoje me lembro que ele acredita no silêncio como o último degrau da vida (ou seja, da síntese). E sobre o silêncio que transcende, ele fala o seguinte: Não porque seu conteúdo seja o supremo, inexprimível desespero ou a suprema, inexprimível alegria e esperança. Nem porque seja o supremo conhecimento que não se digna a falar, ou a suprema ignorância que não consegue falar. Para o Nikos, esse silêncio é sinal de amadurecimento - silencioso, indissolúvel e eterno como o Universo.

14 de ago. de 2003

Determinado


Meu professor contou um caso. Contou que costuma comprar livros no site amazon.com. E que outro dia entrou no site, em busca de mais um livro para a sua coleção, que deve ser enorme. Ao abrir a página, lá estava: Eduardo, seja bem vindo a nossa página. Isso é mesmo coisa estranha. Até para ele. Mas não pára por aí. Em seguida lá estava: Já temos lançamentos na área de Novas Tecnologias e Internet. E a tela se encheu de sugestões. A questão é que naquele dia meu professor queria comprar um romance. E nos contou como foi difícil sair daquela página, que já tinha tantos planos e expectativas para ele. Aí surgiu, na sala, outro caso semelhante: uma colega recebeu uma ligação da farmácia. Na ligação, uma moça oferecia ração para a cadela dessa colega. Segundo os cálculos da farmácia, a ração da cadela já deveria ter acabado. Então minha colega precisou convencer a moça de que ainda tinha ração em casa. Situações complicadas, não? E cada vez mais presentes. Até que ponto isso é comodidade e traz satisfação ao consumidor?

É quando penso se esse tipo de expectativa não está presente só nas empresas. Também está presente, na maioria das vezes, nas pessoas com quem nos relacionamos. É um custo muito grande sair de tudo o que já está determinado para nós. E essa coerência, que pode funcionar como uma muleta em situações complicadas, pode acabar se tornando um limite.

13 de ago. de 2003

É tudo conteúdo


Depois de uma longa tendência de sobrevalorizar a embalagem em relação ao conteúdo, atualmente as coisas se inverteram. Se uma pessoa se preocupa um pouco mais com a embalagem, é logo taxada de superficial. O que ouvi e muito me fez pensar é que a embalagem é tão conteúdo como o conteúdo. Não é só porque está sempre a mostra e todo mundo pode vê-la sem o menor esforço que a embalagem é superficial. E ainda que ela pareça não corresponder fielmente ao conteúdo, o que queremos para a nossa embalagem também faz parte de nós. Tudo o que queremos ser - e também o que queremos parecer - está intimamente relacionado aos nossos valores, vontades e concepções. Embalagem e conteúdo não são, assim, tão separados. Os dois fazem parte de cada um de nós, e têm igual importância.

12 de ago. de 2003

Em circulação


Ontem fui ao banco pagar uma multa de trânsito. Multa que tomei por estacionamento proibido, justo na porta do meu prédio. Eu acho que multas por estacionamento proibido deveriam ser bem mais baratas. Ao parar meu carro num local proibido eu contrario a lei, mas não prejudico ninguém. Excesso de velocidade, carro faltando pedaço ou com luz estragada, dirigir bêbado... Tudo isso pode prejudicar outros carros, pode ter sérias conseqüências... Mas esse não é um post-queixa.

Resolvi escrevê-lo porque gostei de ir ao banco. Percebi, ontem, que preciso ir mais ao banco. Preciso jogar mais baralho com os amigos do meu irmão. Preciso andar mais a pé. Até ir mais ao shopping eu preciso. Preciso conviver com mais pessoas mais diferentes. Não falo de conhecê-las, mas de conviver mesmo. Ver como elas me olham, como falam comigo, como se relacionam. É fundamental sair do lugar, do conforto. Surpreender e ser surpreendido.

Tenho cá meus amigos e não me considero um recluso. Vou à faculdade, ao teatro, a shows e bares. Mas em todos esses lugares vejo pessoas um tanto como eu. Todos nos seus respectivos lugares, por uma mesma causa. Gostei muito de andar na rua e ver cada um na sua vida, com seu objetivo e direção.

Essa é a nova onda. Sair do lugar. Amplia o olhar e é mais simples do que parece.

11 de ago. de 2003

Dia de contradição


Às vezes penso em rejeitar todo o progresso. Quase todo tipo de conhecimento, de ciência, de cultura erudita. Tudo isso é muito vicioso. É um sistema que só sustenta a si mesmo, que só responde às perguntas que propriamente cria. Ou seja, todos os esforços de uma determinada ciência vão em busca de soluções para questões que não existiriam caso não existisse a tal ciência. Eu, que nada sei de astronomia, não me atormento para descobrir um planeta ainda mais antigo do que o que já foi descoberto. Minha irmã, que nada sabe de comunicação, não se preocupa com o poder da mídia de construir realidades, transformando a própria realidade em filme. Minha mãe nunca vai discutir com uma amiga sobre os reflexos do cyberespaço nas relações sociais, e isso em nada lhe trará prejuízo.

Mas se ninguém investir na química e na medicina, as pessoas continuarão morrendo como animais. Se ninguém se dedicar à arte, continuarão vivendo como animais. Algumas coisas se fazem mesmo necessárias, não tem jeito. Enquanto isso, outras parecem-me necessidades de um sistema, sustentado aos trancos e barrancos. É clichê, mas também me é estranho que todos precisemos de um celular. Antigamente ninguém precisava. Não duvido que, em breve, todos precisaremos de um celular que tira foto, tem internet e ainda toca MP3. Onde será que vamos parar? Será que vamos parar?

É óbvio que celular facilita a vida, ô se facilita. Assim como tudo o de tecnológico facilita. Complicado é ter acesso, e lidar com isso. Ter um blog e fazer quem nem me conhece conhecer o que penso me dá muito prazer. Mas viveria numa boa, se não existisse blog. A ciência é bem capaz de trazer conforto e longevidade ao ser humano. É também um grande prazer conseguir entender esse ser humano e suas relações. Mas até que ponto ter consciência é ter capacidade de transformar-se, de transformar o outro? Que ciência é mesmo necessária e traz avanços reais para a vida humana? E qual a outra, que só faz o mundo capitalista funcionar? Não sei se foi bobagem falar de capitalismo. Mas hoje ando meio descrente do saber. Queria ser um atleta do Pan. E nem precisava de medalha.

9 de ago. de 2003

Estranhamento


Estava no meio de uma das minhas excursões intergaláticas, quando minha nave apresentou problemas gravitacionais e terminou por cair em um planeta estranhamente azul. Já tinha ouvido falar desse planeta antes, além de ter estudado um pouco as invenções dos habitantes do mesmo. Mas continuando a história, apesar de ter caído em um planeta azul, a verdadeira superfície em que caí era verde. Estranhamente verde. E estranhamente desabitada. Seria uma área ainda desconhecida pelos habitantes? Pensava que sim, até ver alguns indivíduos moverem-se lentamente em um grupo bastante numeroso para uma determinada direção. Me aproximei sem que eles percebessem. E tratei de tornar a minha nave invisível, para evitar grandes tumultos.

Observei então que os indivíduos pararam e passei a reparar em suas faces. Todos eram extremamente expressivos. Segundo o que eu havia estudado, todos expressavam tristeza. Nunca entendi muito bem, mas diziam em meu planeta que a tristeza é um sentimento - e um sofrimento. Percebi também que quatro daqueles indivíduos carregavam um grande recipiente. Aprendi em meu planeta que os indivíduos que habitavam o planeta azul eram muito apegados aos seus bens. Talvez estivessem se desfazendo de algum bem. Mas não sei porque sentiam tanta tristeza, porque em pouco tempo poderiam adquirir outro bem daqueles. Ou substitui-lo por outro bem de melhor qualidade e maior utilidade. Decidi continuar observando-os. E constatei uma importante evolução daqueles indivíduos: como nós, eles já se vestiam da mesma forma. Os mesmos pararam de se preocupar com moda e estética.

Mas enquanto eu reparava nos costumes daqueles indivíduos, percebi que o recipiente desapareceu. E observei que as faces tornaram-se ainda mais cheias de tristeza. Alguns indivíduos partiram, então. Três ou quatro permaneceram, ainda estavam cheios de tristeza. Os que partiram tinham outro sentimento nas faces. Se não me engano, era o que se chama de alívio. Aquilo que meus antepassados sentiam - sim, um dia já sentimos mesmo em nosso planeta - quando completavam suas missões intergaláticas. Foi o que quase senti naquela hora, se eu soubesse o que é sentir. Eu percebia que tinha presenciado um raro momento. Havia aprendido em meu planeta que os indivíduos do planeta azul se sentiam tristes com a alegria dos outros e sentiam alegria com a tristeza dos outros. Naquele momento, todos estavam tristes. Era realmente um momento especial para eles.

5 de ago. de 2003

O que quer dizer


É impressionante como é complicado fazer as pessoas entenderem o que a gente realmente quer dizer. Ainda quando não consideramos todas aquelas teorias de que cada um vê um vermelho diferente, tem um olhar específico carregado de tudo o que viveu e o fato que cada um define as suas próprias referências de bonito, feio, bom, mau - entre outras. E como se não bastassem essas freqüentes codificações e descodificações do que falamos, ainda tem os meios. Por telefone as conversas são corridas e por e-mail, impessoais e desprovidas de intonação. Papo de comunicólogo? Pode ser.

Mas ainda ressalto uma nova mania: a ironia. Já me parece que quase nada quer dizer o que diz. Tudo tem um sentido maior, às vezes escondido, às vezes bem óbvio. Tudo dá a entender alguma outra coisa. Qualquer conversa, da mais cotidiana à mais elaborada, precisa ser interpretada. Ai, que desânimo. Metáforas, ironias, metonímias e todas essas coisas são fantásticas para a literatura, e são plenamente capazes de enriquecer o nosso cotidiano. Mas quando são demais, a coisa se complica. Às vezes decifrar leva tempo, disposição e os resultados podem decepcionar. É mesmo melhor ser claro, não enfeitar demais. Ou só enfeitar quando tiver certeza de que o outro entenderá. Não entender é bem complicado, e não ser entendido, talvez ainda pior. É por essas e outras que lanço agora a Onda ainda que burra de Contenção da Ironia. E espero tornar-me um expoente do movimento.

O que quer dizer diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.

coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.


Paulo Leminski

2 de ago. de 2003

O caminhão nosso de cada dia


Hoje minha mãe chegou aqui em casa cheia de flores. Cheia mesmo. Eram uns oito vasos de flores de muitas cores e tipos. Nossa casa ficou muito mais bonita e muito mais viva. E minha mãe, muito mais contente. Foi quando ela me contou que há uma floricultura ao lado do trabalho dela. Contou-me que a dona da floricultura é muito simpática e deu aquelas flores pra ela, de presente. Me surpreendi e perguntei o porquê dessa boa ação tão aleatória. Aí minha mãe me contou que a dona da floricultura disse que todo fim de semana joga fora meio caminhão de flores. Ela leva algumas pra casa, dá para algumas pessoas queridas e, ainda assim, lhe sobra meio caminhão todo fim de semana. Sem exagero.

Com essa mania de procurar metáforas, pensei: é mais ou menos isso que acontece com as pessoas. Às vezes uma pessoa tem muita coisa boa pra oferecer pras outras, mas por acaso ou por preguiça não encontra quem queira ou aceite. Ela quer rir, brincar, dançar, conversar, discutir, beijar, construir... Mas se não encontra um outro que queira, tudo não passa de um potencial. É claro que não é todo dia que temos flores para oferecer, e que em alguns dias tudo o que temos é um buquê. Outras vezes acordamos com um caminhão inteiro de boas intenções e de boas ações guardadas, mas exigimos que os outros dêem algo em troca por elas. Se ninguém se dispõe, acabamos voltando pra casa ainda cheios de boas intenções e ações potenciais. À noite, sozinhos em nossos quartos, essas potências não nos servem de nada. Aí jogamos tudo fora quando fechamos os olhos e dormimos. No dia seguinte, é possível que já nem nos lembremos do que sentíamos e pensávamos no dia anterior.

Se acreditarmos que nascemos e morremos a cada piscar de olhos, torna-se infinito o potencial de cada pessoa. Ao mesmo tempo, torna-se complicado pensar em quantas possibilidades anulamos. É aí que repito: só depende da gente o destino do caminhão de flores de cada dia. Piegas, não?