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16 de nov. de 2015
Foi roubar
Safira era uma moça bonita com cabelos de fogo e olhos grandes. Casou-se muito cedo, teve dois filhos e saiu de casa por apanhar do marido. Trabalhava num supermercado, embrulhando sucos orgânicos e bolachas recheadas que nunca poderia comer. Um dia, chegou em casa, e o filho chorava de fome. O dinheiro havia acabado, e o leite, também. Chorou um pouco, bateu na casa do vizinho, pediu uma arma emprestada e foi roubar.
2 de set. de 2012
novidade
Ingrid ficou surpresa e bem satisfeita ao conseguir uma vaga como atendente da lanchonete da rodoviária. O trabalho em si não lhe agradava muito, mas havia gostado do uniforme e das colegas de balcão. Mais do que tudo isso, o anúncio do jornal pedia "boa aparência" - coisa que, até então, ela estava certa de que não tinha.
1 de set. de 2012
De mudança
Cátia estava de mudança para o Rio de Janeiro, deixando em sua cidade um namoro que já vingava há quatro anos. Não tinha sido fácil convencer o rapaz de que as coisas poderiam se ajeitar à distância - ela mesmo custava a acreditar. Na noite da despedida, os dois foram juntos até a rodoviária. Entre silêncios e lágrimas escondidas no banheiro, dividiram três cervejas e uma porção de fritas enquanto esperavam o horário de partida do ônibus.
3 de mai. de 2011
Arde
Manoel já havia sido um cara apaixonado, ainda que isso, hoje, fosse um pouco difícil de se acreditar. Acontece que o amor havia acabado, e ele, sem perceber, havia pintado na parede de casa um retrato colorido e bonito daquilo tudo. Por um fenômeno difícil de se explicar, o retrato havia entranhado nas paredes, de um jeito que não adiantava raspar ou retintar - a imagem sempre aparecia de novo. Uma vez cavou a parede, e o que viu foi um retrato ainda mais nítido do velho amor. Cavou, então, mais um pouco, e acabou fazendo um buraco na própria casa. E sempre que a noite esfriava, a casa ardia um pouco mais.
5 de abr. de 2011
Esperança
Julieta esperava do mundo uma sinceridade clara e simples, tal qual ela pretendia oferecer-lhe. Viu, mais tarde, que não era bem assim. Primeiro ficou um pouco confusa. Depois ajustou um pouco a sua forma de receber e dar-se. Aí ficou tudo bem.
1 de abr. de 2011
O próximo passo
Benjamin estava só. Já não podia se distrair com a morte tão bem disfarçada de vida. De qualquer lado que o viam, havia uma vida escondida. Gostaria de encurtar distâncias, de aproximar-se ainda mais daqueles que melhor o conheciam e que mais torciam por ele. A vida por detrás dos véus já não fazia mais sentido. A solidão, sempre ela, indicava que era hora do próximo passo.
3 de jun. de 2010
Banho de sol
Felipe tinha alugado uma casa com quintal porque gostava muito de sol. Só que trabalhava demais e o emprego era longe de casa. Por isso saía antes do alvorecer e só chegava quando já era noite. Mas toda quarta-feira ele acordava ainda mais cedo. Em plena madrugada, sempre antes do banho, ele arrastava sofá, mesa, cadeiras, cama e criado-mudo até o quintal. Sentia-se mais tranquilo ao lembrar que, enquanto enfrentava o ar-condicionado da empresa, os móveis da casa desfrutavam um belo banho de sol.
6 de jan. de 2010
Na minha casa
Marina tinha a estranha mania de juntar cacarecos, pequenos presentes, ingressos de shows, cartas antigas, bilhetes e pertences daqueles que não pertenciam mais à sua vida. Guardava tudo isso em uma caixinha, na mesma caixinha desde adolescente. A caixinha ela guardava dentro do armário. Sempre que o amor vinha ela torcia pra chegar ao ponto de mostrar as coisas todas, mas até hoje não tinha mostrado pra ninguém. Nos dias tristes pensava que aquela caixinha poderia ficar com alguém da família, então. Mas na casa dela ninguém era romântico em relação à vida, só ela.
5 de jan. de 2010
No calcanhar
Sérgio nunca tinha soltado um foguete na vida e, todos sabiam, não tinha a menor habilidade com as mãos. Mas aquele dia não podia passar em branco: era uma ocasião realmente especial. Ao ser informado da notícia, o rapaz não pensou duas vezes e soltou o foguete ali mesmo, no meio da multidão. O que ele não esperava era que o foguete escapasse da sua mão e voasse na mira dos belos cabelos da moça que estava logo a frente. De início ele achou graça, mas ao ver o rosto da moça acabou sentindo compaixão. Havia queimado a única coisa que a vítima tinha de bonito.
30 de dez. de 2009
Papel de parede
Rafael decidiu forrar uma das paredes do quarto com suas fotos de criança. Sempre que a coisa apertava, gastava alguns minutos olhando para aquelas imagens, em busca de alguma coisa em si mesmo que parecia ter se perdido com o tempo. Naqueles olhos de criança conseguia esquecer-se um pouco do cansaço da vida, dos dias arrastados e da falta de sentido que vez ou outra aparecia à sua porta.
10 de dez. de 2009
Pra ver o mar
Camila não entendia para que serviam as grades que atravessavam a janela do seu quarto. Sempre que tinha um tempinho se entortava toda para conseguir enxergar o mar, lá no fundo da paisagem, entre uma grade e outra. Não foram raras as vezes em que seus pais precisaram remover sua cabeça, com todo cuidado, de algum dos pequenos espaços que havia entre as barras. Também não foram poucas as broncas, os arranhões e os roxos conquistados ao longo desses episódios. Sabia que os outros não aprovavam o seu apreço pelo espaço entre as grades e por isso tinha o hábito de acordar uma hora mais cedo do que o resto da família. Era com os olhos no mar que ela passava - sempre, só e em segredo - a primeira hora dos seus dias.
29 de nov. de 2009
Feito tatuagem
Leandro escovava os dentes quando percebeu alguma coisa diferente saindo pela gola da camisa. Apesar do porre homérico que havia encerrado o dia anterior, desconfiou que os rabiscos no pescoço não eram mera alucinação. Ao tirar a camisa percebeu que o seu tronco estava povoado por pequenas palavras em japonês. Quando se contorceu e seguiu as palavras até o meio das costas, surpreendeu-se com um grande mapa do Japão, tatuado em vermelho e preto. Até pensou em descobrir como aquilo tudo havia aparecido no seu corpo, mas a vida andava meio sem rumo e decidiu inverter a lógica. Vendeu algumas coisas, arrumou as malas e foi viver no Japão, até que todas aquelas tatuagens passassem a fazer sentido.
22 de out. de 2009
De costume
Isaura havia passado quase duas semanas entre uma sala de cirurgia e um quarto de hospital. Lutou com unhas, dentes e parentes para que a vida não lhe abandonasse tão cedo. Ao longo daqueles dias recebeu visitas e telefonemas de gente que não via há muito tempo. Contou também com a paciência e a companhia constante dos filhos adultos, coisa que lhe parecia tão rara. Do alto dos seus cinquenta anos, pensou que aqueles dias anunciariam o início de uma nova etapa em sua vida. Mas apenas dois dias depois de receber alta, já estava de volta à própria casa e à solidão que lhe era de costume.
18 de mar. de 2009
Pouco tempo
Seu Dorival havia comprado um carro na época das vacas gordas e atualmente enfrentava alguma dificuldade para sustentar o possante. De bico em bico, sobrava pouco dinheiro e muito pouco tempo para cuidar das muitas avarias que se acumulavam com tantos anos de uso. Naquele dia de azar, o carro cismou de enguiçar no meio de um engarrafamento. Não era a primeira vez e Seu Dorival sempre tinha a esperança de que alguém fosse aparecer para ajudá-lo a empurrar o carro até o acostamento. Geralmente não aparecia ninguém e ele nem condenava, pois sabia que, de bico em bico, para as outras pessoas também sobrava muito pouco tempo.
4 de mar. de 2009
Era uma casa
Marilda gostava muito dos seus irmãos, mas gostava acima de tudo da sua patroa. Trabalhava naquela casa já há mais de cinco anos e sabia ser hoje uma pessoa mais feliz do que na época em que conseguiu o emprego. Saboreava com gosto cada elogio à sua comida e cada brincadeira com as crianças. Achava um pouco ruim que a patroa trabalhasse muito durante a semana e só mesmo no sábado tivesse tempo pra sentar-se na cozinha. Por conta disso, mesmo liberada desde as duas horas, Marilda gostava de passar ali suas tardes de sábado e não costumava se despedir da patroa antes de anoitecer.
21 de nov. de 2008
Desespero
Homero escolheu ser taxista porque era bom no volante e também porque gostava de conversar. Mas desde o dia em que precisou vender o táxi as coisas desandaram. Não era a primeira vez que ele trabalhava como motorista particular, mas nunca havia sido proibido de circular pelas áreas comuns do prédio nos momentos em que a patroa estava em casa. Por conta disso encarou com um certo desespero o fato de passar grande parte do dia sentado, sozinho e em silêncio, dentro de um carro estacionado em uma garagem. Quis dizer a patroa que aquilo era falta de respeito, mas não pôde porque precisava do emprego.
26 de out. de 2008
Travessia
Romeu tinha apenas onze anos e vivia se espantando com o mundo. Esforçava-se para entender o funcionamento das coisas, mas a cada dia aumentava mais a sua impressão de que, do mundo, sabia e servia pra muito pouca coisa. A impressão só dava sossego nas temporadas que passava na casa da avó. Era na cidade dela que ele se revelava um ótimo atravessador de ruas, acompanhando a avó e todas as suas amigas naquelas travessias que, para ele, pareciam as coisas mais simples e prazerosas da vida.
12 de out. de 2008
Amontoado
Bernardo assistiu a uma peça de teatro e desde então uma frase andava ecoando na sua cabeça: como é que pode se transformar num amontoado de tarefas a vida da gente? Era uma frase relativamente simples, mas aquilo parecia organizar todos os conflitos que o rodeavam nos últimos tempos. O rapaz, que já não era menino há alguns pares de anos, custava a enfrentar a vida adulta e a série de tarefas que diariamente se impunham à sua vida, quisesse ele ou não. As tarefas vinham de todos os lados, não podia olhar de rabo de olho pra um canto que, pronto, de lá aparecia uma nova tarefa.
15 de set. de 2008
Janela aberta
Martin vivia em um dos bairros mais quentes da cidade, em uma das cidades mais quentes do país. Naquele fim de semana herdou da avó um velho aparelho de ar condicionado e pensou que o presente lhe serviria como fiel companheiro para o resto da vida. Na segunda-feira seguinte, encontrou-se com o vizinho do 302 no elevador. O vizinho tinha olheiras devastadoras e queixava-se de um estranho zumbido que vinha atormentando suas noites, há dias. Martin se fez de desentendido, mas voltou a dormir com a janela aberta.
27 de ago. de 2008
A causa maior
Fabiana sonhava em ser juíza para tornar as coisas mais iguais entre as pessoas. Enquanto não passava no concurso, dirigia seu carro 1.0 e aproveitava qualquer oportunidade de fazer justiça no trânsito. Bem perto do escritório onde trabalhava, havia uma subida que diariamente desafiava as forças do seu automóvel. Logo atrás dele, os motoristas dos carros maiores precisavam se segurar e torcer para que Fabiana conseguisse chegar ao topo do morro. Ela, é claro, engrossava a torcida, mas acima de tudo enxergava naquela situação uma metáfora do mundo em que queria viver.
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