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24 de dez. de 2007
Trajetória
Encontrei-o saindo da adolescência, naquela época em que cada descoberta parece abalar o chão e reconfigurar todo o porvir. Suas palavras costumavam vir soltas e ter endereço certo, ainda que muitas vezes dessem com a cara na porta. É impossível negar que em alguns momentos perdeu o rumo, mas de um jeito ou de outro sempre manteve-se de pé. Hoje as palavras são mais leves, geralmente breves e quase sempre têm planos maiores. O rumo ainda é incerto, mas os passos são firmes e conscientes da importância que têm.
16 de ago. de 2006
O corpo maior
Finalmente descobriu o que são, para ele, as boas e as más companhias. Isso foi depois de perceber que são as almas que se acompanham, e não os corpos. Concluiu que as almas querem crescer, querem misturar-se às outras e quem sabe terminar em algum tipo de fusão. Antes de tudo, portanto, é importante que a alma cresça. E isso se dá pela transformação de matéria em espírito. É nesse momento que o outro tem importância decisiva: é fundamental aprender a dar o devido supervalor às coisas que nos aparecem, assim como àquelas que nos acontecem. É preciso aprender a retirar das coisas aquilo que delas faz crescer nossa alma. Melhor se duas almas crescem ao mesmo tempo, diante da mesma coisa. É depois de muito crescer que duas almas podem se misturar. É só depois que as almas se misturam. E se engana quem pensa que isso tudo leva muito mais do que dois ou três minutos.
15 de jul. de 2006
A experiência de conhecer
Só depois foi perceber o que havia vivido naqueles dias. Algo como a experiência de viver ou ainda a experiência de conhecer a vida. Porque a vida de que todos falam, aquela a que todos aspiram, só pode ser aquilo. A experiência profunda de conhecer alguém, de explorar outra existência, de abandonar aquela série de coisas que aos poucos conduzem à morte. E conhecer alguém é tão raro, requer uma certa descontração e um certo abandono. Ao conhecê-lo havia inaugurado uma nova vida, iluminada por aquela experiência. A partir de então experimentava outra existência. Como se a vida anterior cedesse lugar à próxima. Como se a partir daqueles dias todas as coisas e todas as pessoas, até mesmo as mais antigas, fossem vividas sob a regência de novos valores. E o fim de semana, depois percebeu, foi o começo da vida.
25 de jun. de 2006
Nem por isso deixa de querer
Olhando daqui, parece que ele quer se encontrar. Parece estar com saudades de si mesmo, por sentir-se cada vez mais longe daquilo que acredita ser.
Engraçado. Daqui parece que ele deseja encontrar alguma coisa bem fora de si; alguma coisa capaz de tira-lo do centro e de nele coloca-lo, sempre que for o caso. Soube que ele disse o seguinte: "Quero andar, correr se preciso, de repente me chocar com alguém e conseguir transformar esse encontro numa coisa boa."
E que não lhe falte coragem.
1 de abr. de 2006
Luxo pesado
Porque a consciência excessiva o afasta de qualquer certeza. Porque acreditar na ilusão do outro é mais fácil. Porque quanto mais próximo, mais claro. Porque o bom é sempre uma ilusão, assim como o mau. Porque não há motivo para, diante dessa situação, escolher experimentar o mau. E assim será, enquanto pensar.
20 de out. de 2005
Bom dia
Era uma longa história. Longa porque espalhada no tempo, afinal seria possível contá-la em dois ou três capítulos. Até que os dois se encontraram e a história passou a acelerar-se. Vários capítulos por dia, num ritmo frenético de cenas. Mesmo assim, os dois esforçavam-se (será que havia mesmo algum esforço?) rumo à naturalidade das cenas. Eram cenas singulares e prazerosas, isso era inegável. Numa das cenas mais bonitas, um dos dois acordava mais cedo e saía pra comprar pão. Na volta, trazia uma escova de dentes de presente - e escovar os dentes nunca mais foi a mesma coisa. E se era uma cena bonita de contar, o que dizer do prazer de interpretá-la.
20 de jul. de 2005
Oblíquo

- Desculpe-me pelo sumiço. É que eu não tô bom e não sou capaz de compartilhar isso. Não saberia como me comportar, preferi me esconder.
A amizade é um bom lugar pra fragilidade. Outro bom lugar pra ela é o amor. As fragilidades são muitas, são geralmente ocultas ou ocultadas. É preciso coragem para oferecê-las a alguém. E se a covardia destaca-se entre as fragilidades dele, parece entrar num caminho sem volta. Um caminho de fragilidades solitárias, de aproximações impossíveis. A aparente impossibilidade de oferecer-se, por covardia ou pela iminência do fracasso, é o que imobiliza-o e afasta-o das coisas encantadoras do mundo. Coisas cada vez menores, pelo ângulo cada vez mais oblíquo sob o qual ele é capaz de vê-las (e atrás do qual é levado a esconder-se).
14 de out. de 2004
Nosso clichê
é dos nossos limites que estou falando. um limite não existe sozinho, sempre está relacionado a duas grandezas. a cada nosso que eu falo, mais eu sei que existimos. o curioso é que quanto mais destemido eu sou, mais medo me aparece (mas queria que esse medo e esse destemor fossem nossos).
e deve ser assim que surge um clichê. por causa de gente assim, que não vive sem.
4 de out. de 2004
Fragmentos recolhidos do limbo
eu não penso duas vezes. eu viro criança, viro mendigo, viro um cachorro sem dono. e mesmo assim me trata como se eu pudesse partir a qualquer momento, como se não soubesse que não há nada que me atraia e me conforte mais do que a sua mera presença.
eu prefiro não tomar a nossa relação como exemplo de nada. prefiro aproxima-la da exceção, lá somos mais inofensivos. ser exceção traz um conforto, uma sensação de liberdade.
modulo os amores em forma de amizade. modulo minhas vontades em nome do que me permitem. às vezes penso que vivo a metade da minha vida, a metade do que seria capaz de experimentar.
23 de set. de 2004
O próximo passo
Estava sentado, calado, olhando para o horizonte. Olhares piedosos se aproximavam. Era como se gritassem em sua direção, bem perto dos seus ouvidos. Antes mesmo que lhe os olhares se transformassem em palavras e gestos, resolveu dizer alguma coisa, assegurar-se de que não haveria interrupção.
Não me perguntem se estou triste. Se me decepcionei, se alguma coisa aconteceu (prefiro a autonomia de expor-me somente quando me sentir à vontade). Por favor não direcionem, com suas piedosas palavras, a minha cruel atenção a qualquer ponto que me faça sentir mal. Deixem-me iludido, introspectivo e distraído. A distração me conduz a um lugar mais leve, mais pertinente. A realidade me condena, a atenção me persegue.
A consciência me impede de dar o próximo passo.
Deixe as pessoas tranqüilas. Não abra os olhos delas. Se você fizer isso, que vão elas ver? Deixe que continuem sonhando! A menos que, quando elas abrirem os olhos, você possa mostrar-lhes um mundo melhor. Você pode?
4 de set. de 2004
O máximo possível

A história começa com duas pessoas que se gostam muito e que, portanto, se vêem o máximo possível.
Os dois estão juntos há um mês e têm passado a maior parte do tempo dentro de casa, olhando um pra cara do outro. As despedidas diárias são sempre dolorosas, mas é uma dor que eles já conhecem. É uma sensação de morte, de dilaceramento, como se um pedaço fosse arrancado. Por causa disso, os dois regularmente sentem-se no fundo do poço, mas como já estiveram muito lá, sabem que não é o fim do mundo.
A história não termina.
13 de ago. de 2004
Descobertas
Pensava sobre as pessoas e as coisas das quais mais sentia saudade.
Em alguns instantes descobriu que eram exatamente aquelas de que havia se despedido antes da hora, antes de quando queria fazê-lo. Depois, conversando com suas amigas, descobriu que era sempre assim, com todas as pessoas, com todas as saudades.
E, sendo assim, acabou descobrindo que aqueles amores que a gente guarda são algo muito mais simples do que imaginava. Descoberta essa que, de qualquer forma, não a fazia sentir-se melhor ou pior. Mas talvez ajudasse-a a ter mais cuidado nas despedidas e nas saudades.
- É preciso ter cuidado.
(valeria à pena levar relações ao seu limite? valeria à pena poupa-las, encerra-las antes da hora para que delas fossem guardadas boas lembranças?)
3 de ago. de 2004
Que me desmonte

homme à la cheminée
Um homem ali, observando a lareira.
De repente o homem não é mais o mesmo.
E a lareira ali, intacta.
É tão bom quando a gente vê alguma coisa que desmonta a gente, que deixa a gente um caos. E pode ser ainda melhor se essa coisa for uma pessoa.
29 de jul. de 2004
A sorte de um amor tranquilo
segunda
- e ontem foi tão bonito porque nele eu vi o meu passado, os que passaram. e ele foi capaz de despertar em mim algo de bom, de valioso sobre os que um dia rejeitei.
terça
- e hoje foi horrível.
- como assim?
- eu finjo (como sempre, desde uns tempos pra cá) que nada acontece em mim quando o encontro.
- e será que alguém ainda acredita nisso?
- eu não. e nem ele, imagino.
- e o que será que nele acontece no caso desses encontros?
- não sei. vejo-nos com os olhos baixos, desconversados, presos às formalidades e banalidades. sem que consigamos afastarmo-nos um passo sequer desse incômodo lugar. deixados a sós: banal, banal (sem ao menos uma piadinha mais arriscada, mais sugestiva). ele vai ao grupo e sigo-o até o momento em que percebo a minha inexistência instantânea, a minha ausência situacional. resolvo então assumi-la e sair da história.
- nossa...
quarta
- e hoje?
- através da janela eu o vejo. sozinho, em busca de alguém, de qualquer pessoa que não seja eu. parece ser apenas uma história que acontece através da janela, dentro dela. as demais são demais para mim. essa me basta.
- eu não sei como você aguenta...
- vestígios de confiança me conduzem a essa situação. todos os esforços para que (1) ele me veja, (2) pense que não o vi, (3) levante-se e (4) venha até mim.... (já haviam mais de oito passos traçados e nenhum ainda dado)
(de novo assim: uma vida a gente vive, a outra a gente guarda)
quinta
- e aí?
- passo então a acreditar que não deveria ser, prefiro assim. afirmo a mim mesmo que os amores são recíprocos, que dois que se amam aproveitariam as situações que encontram, que não seriam capazes de ignorar a improbabilidade dessa situação, nem a sua unicidade.
- entendi. em todos os meus amores foi assim também. nos grandes amores e nos grandes prazeres. nos outros, a autoridade e a hierarquia, as relações de favorecido e favorecedor aniquilaram tudo.
- então acabou, prefiro assim. que esses favores eu não peço a ninguém.
25 de jun. de 2004
Corpo humano
E se eu gosto de músculos deve ser por causa da consistência deles. Mas eu gosto mais quando consigo envolvê-los na minha mão. Quando posso acreditar que por um instante faço parte e estimulo aquela rigidez. E se eu não gosto de banha deve ser porque ela se espalha à medida que eu pressiono. E muda de forma. E não oferece a mínima resistência, até chegar no osso. Por isso é que eu devo gostar de osso: porque para mudar os ossos de uma pessoa é preciso um mínimo de violência. E eu gosto do que não se adapta a mim. Gosto de relacionar-me com algo de imutável e de exclusivo. Não preciso que ninguém se vista de mim para ter acesso ao que ofereço. Esse acesso é inevitável. Prefiro que as pessoas continuem vestidas como as encontrei e que por trás de cada traje hajam músculos e ossos a espera. Músculos em busca de estímulos e ossos satisfeitos, calcificados. E que não haja banha, porque não quero interromper o estado de nada. Quero potencializar. Essencialmente de um, potencialmente de todos.
11 de mar. de 2004
Envenenados
Há muito tempo não conversávamos desse jeito. É certo que nunca fomos grandes amigos, mas antes mesmo desse dia já havíamos tido conversas inesquecíveis. E vivido momentos inesquecíveis. Descobertas, aventuras, vexames. Um dia passado ao lado do outro era sempre memorável. Mas sendo a vida irônica como é, acabamos sendo separados. Por meses. É inegável que aqueles foram bons meses para ambos. Inegável também é que aquela distância tornava cada raro encontro ainda mais prazeroso. Algumas palavras trocadas e já ficávamos satisfeitos. Então, nesse dia, depois de meses, o acaso nos uniu. De uma situação banal ressurgiu ainda mais plena aquela antiga relação, quando sobre nós já não atuavam mais as antigas distrações. A bebida, as afinidades, os desejos. Horas se passaram. Diversas histórias foram narradas. Era tarde e seria natural que nos despedíssemos. Olhamo-nos um ao outro.
Estávamos ambos fatigados, mas não queríamos perder o veneno desse dia. O sono aparecia-nos como uma fuga à hora do perigo, e tínhamos vergonha de ir para a cama.
9 de mar. de 2004
Eis nossa obra
Observá-lo era muito fácil: quanto mais alto, mais exposto. Durante anos, todos os seus esforços eram rumo ao alto, todos os seus artifícios. E eram muitos os artifícios e se estendiam a todos. Não havia limite algum. Princípio algum. O fim era bem claro, o tempo todo.
Ele flutuava porque já não havia onde pisar. E muito menos onde se agarrar. Aliás, as suas mãos estavam sempre ocupadas, assim como os seus olhos e a sua mente. Estavam todos a serviço. Em busca de um lugar onde pudesse ser mais visto, ainda que com menos nitidez. Fazendo o que fosse preciso para cativar os outros:
apaixonar-se sempre
amar sempre, a todos
ser bom e generoso, sempre
simpático também
cativante, afinal
Ele parecia descer, mas essencialmente continuava no alto, entre nobrezas, amores, genialidades, honras, realizações. Tudo muito cheio de pompa, de valor. Todos os seus gestos soavam como favores. Tudo descia dele com muito mais força, trazia consigo o peso da gravidade. Isso tornava-o insuportável.
Ao descer, várias vezes apoiou-se em meus ombros. Até o dia em que a minha cabeça não estava lá, nem as minhas pequenas verdades instantâneas.
Ele acaba de cair no chão. Mesmo no chão ele flutua, não é capaz de misturar-se. Está imóvel. Não há, há muito tempo, ninguém perto dele, ninguém que obstrua a minha visão. Assim, continua muito fácil observá-lo: nenhum vestígio de paz por perto.
16 de fev. de 2004
Infeliz compromisso
Havia nela algo como a obrigação de atestar aos outros que havia optado pelo melhor caminho. A atestação que dava-se aos outros, pois ninguém pode enganar a si mesmo. Algo como a renovação da sua auto estima e da sua imagem pública.
- Apenas indo ao baile eu encontrei diversão suficente para a noite de ontem. Eu não precisava de mais nada. Recolher-me aos meus aposentos era mesmo o melhor a se fazer.
- Guarde isso para si, amável donzela. Aos colegas da corte, esse comentário de nada vale. E se, para mim, o insosso baile não trouxe diversão, ah, isso é apenas do meu interesse.
- Desculpe-me, mas eu não o ouvi.
- Desculpe-me também, mas não vou repetir. A propósito, a senhorita sabe que o dia de ontem foi severo para mim. O que, então, a senhorita gostaria de dizer-me, ao expor que se divertiu no baile?
Algo como a renovação da sua auto estima e da sua imagem pública. Estavam, ainda, intimamente relacionadas, afinal.
11 de jan. de 2004
Desconhecida
O que era exatamente aquela sua curiosidade sobre o que se passava dentro e fora dos outros?
Curiosidade até então inofensiva, até então insaciável, que lhe parecia pouco saudável. Talvez essa fosse uma visão cultural das coisas. Bla bla bla. A curiosidade persistia, e restringia-se aos presentes. Os distantes, assim como as palavras por eles proferidas, mantinham-se firmes em segundo plano.
Assim, cada janela aparecia-lhe como uma possibilidade. Cada transeunte - uns mais e outros menos - aparecia-lhe como um candidato à próxima palavra ou ao próximo abraço ou ao próximo beijo. Sua fixação pelo desconhecido e pelo imediato gratuito casual consumia-lhe deliciosamente. Resolveu que os motores da sua vida seriam os pulsos imediatistas, que essa seria a sua natureza. Aboliu os compromissos formais com o vivido, o prometido e o subentendido. Esquivava-se também dos planos, dos desejos maiores e dos previamente arquitetados. Libertava-se à medida que, por puro gosto, passava reto em frente à porta da sua casa, rumo à até então desconhecida próxima esquina.
Mas havia alguém que, misteriosamente, sempre trazia-lhe de volta dos tais passeios. Com muita discrição. E isso muito lhe agradava. Será que, quanto mais alto está o patrão, mais longa se torna a corda da escravatura? O escravo pode então agitar-se numa arena mais espaçosa, e morrerá sem nunca ter encontrado a corda. Será isso então que chamamos de liberdade?
22 de dez. de 2003
A vida é sonho
É preciso ceder aos encontros e isso é como pisar em areia movediça, em campo magnético. Mas sempre existe a possibilidade de escolha, eu disse sempre.
a) - Eu não te entendo.
b) - Eu te amo.
c) - Eu quero te ver de novo.
- Hour concours! - foi o que disseram os que assistiam àquela história.
- É certo que um está fora - mas isso foi tudo o que se soube.
Naquela hora eram três. Mas, por um instante, ao observar o rumo das coisas, achou que qualquer pessoa poderia ser o grande amor, afinal "todo poder é emprestado". E caso nada daquilo desse certo, isso lhe servia de consolo.
Sobre as noites que salvam os dias. E sobre as noites de distração.
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