29 de jul. de 2004

A sorte de um amor tranquilo


segunda
- e ontem foi tão bonito porque nele eu vi o meu passado, os que passaram. e ele foi capaz de despertar em mim algo de bom, de valioso sobre os que um dia rejeitei.

terça
- e hoje foi horrível.
- como assim?
- eu finjo (como sempre, desde uns tempos pra cá) que nada acontece em mim quando o encontro.
- e será que alguém ainda acredita nisso?
- eu não. e nem ele, imagino.
- e o que será que nele acontece no caso desses encontros?
- não sei. vejo-nos com os olhos baixos, desconversados, presos às formalidades e banalidades. sem que consigamos afastarmo-nos um passo sequer desse incômodo lugar. deixados a sós: banal, banal (sem ao menos uma piadinha mais arriscada, mais sugestiva). ele vai ao grupo e sigo-o até o momento em que percebo a minha inexistência instantânea, a minha ausência situacional. resolvo então assumi-la e sair da história.
- nossa...

quarta
- e hoje?
- através da janela eu o vejo. sozinho, em busca de alguém, de qualquer pessoa que não seja eu. parece ser apenas uma história que acontece através da janela, dentro dela. as demais são demais para mim. essa me basta.
- eu não sei como você aguenta...
- vestígios de confiança me conduzem a essa situação. todos os esforços para que (1) ele me veja, (2) pense que não o vi, (3) levante-se e (4) venha até mim.... (já haviam mais de oito passos traçados e nenhum ainda dado)

(de novo assim: uma vida a gente vive, a outra a gente guarda)

quinta
- e aí?
- passo então a acreditar que não deveria ser, prefiro assim. afirmo a mim mesmo que os amores são recíprocos, que dois que se amam aproveitariam as situações que encontram, que não seriam capazes de ignorar a improbabilidade dessa situação, nem a sua unicidade.
- entendi. em todos os meus amores foi assim também. nos grandes amores e nos grandes prazeres. nos outros, a autoridade e a hierarquia, as relações de favorecido e favorecedor aniquilaram tudo.
- então acabou, prefiro assim. que esses favores eu não peço a ninguém.

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