26 de set. de 2003

Liberdade e escravidão


Mas a liberdade começa na escravidão e a soberania na dependência. O sinal mais vivo da servidão é o medo de viver. O definitivo sinal de liberdade é o fato de o medo deixar espaço ao gozo tranqüilo da independência. Dir-se-á que preciso de ser dependente para conhecer o gozo de ser livre! É certamente verdade. À luz dos meus atos, percebo que toda a minha vida parece não ter tido por objetivo senão construir o meu próprio infortúnio: sempre me escravizou o que devia tornar-me livre.

Stig Dagerman

É isso. Sinto-me preso ao que achei que fosse me libertar.

24 de set. de 2003

O valor da vontade


Aos vinte anos, a vida de Pedro já foi atravessada por milhares de pessoas. E das milhares, dezenas foram importantes e modificaram a realidade do Pedro, ainda que apenas naquela época ou naquele contexto. Mas isso é o suficiente, e essas dezenas de pessoas são agora inesquecíveis para o Pedro.
Entre as dezenas de pessoas inesquecíveis, há algumas nas quais o Pedro não vê valor algum. E entre essas pessoas, há aquelas que o Pedro queria muito que ainda fizessem sentido. O Pedro queria muito gostar delas e ver novamente nelas o valor que um dia elas, para ele, já tiveram. E será que essa vontade já não é um jeito de gostar? Pedro é qualquer um.

21 de set. de 2003

Devaneios midiáticos


Aos domingos não tem Gimenez, que pena. Durmo mais cedo. Ela é o meu maior devaneio. Minha maior fonte de abstração e de distração. Assim como a própria Gimenez, distancio-me totalmente de tudo o que se passa no programa dela. Outro dia, no programa, quando fazia merchandising do SUPER X CAP (um título de capitalização da Caixa), ela disse: Ah. Seu eu ganhasse no SUPER X CAP, amanhã eu nem vinha trabalhar! Isso é fascinante. Um caso singular na TV. Entretenimento que se assume como entretenimento, que não finge querer mudar o mundo e que não pretende ser levado a sério.

16 de set. de 2003

Memória


Ter um blog, tirar fotos, fazer anotações, guardar ingressos de shows, cartas e bilhetes. Todas essas técnicas têm apenas um grande objetivo. Ampliar a memória humana, que não seria capaz de lembrar de tanta coisa. São para isso também as já antigas (e quase esquecidas, quem diria...) enciclopédias. Um blog retém o que foi pensado há um mês atrás; e não deixa que o que é pensado agora se perca no tempo. Álbuns e mais álbuns de fotos são religiosamente observados para que as férias, os casamentos e os aniversários que assinalam qualquer vida não sejam esquecidos e para que cada detalhe seja preservado. Seja esse detalhe uma pessoa, um lugar, um copo ou um momento.

Tudo o que se quer é evitar o confronto com a efemeridade da vida. É ter livre acesso a cada momento vivido. Que nada passe, que nada seja esquecido então. Os homens da tecnologia, é claro, correm atrás disso e desenvolvem infinitos mecanismos de apreensão do tempo e extensão da memória.

Aí eu penso: como seria bom se também investissem numa forma de restringir a memória humana, de dar a cada um de nós o poder de dominá-la e de apagar as más recordações. Poxa. É chato saber que, a qualquer momento, posso me lembrar de alguma coisa de que não queria me lembrar de jeito nenhum.

11 de set. de 2003

Por acaso


Às vezes o acaso faz falta. A vida anda muito objetiva e apressada e quase que não sobra tempo para "perder tempo". E ter tempo pra perder, pra não se comprometer com nada e deixar o acaso governar é fundamental. Todos os passos da evolução científica caminham para uma vida ainda mais objetiva e terrivelmente dinâmica.

Nunca fui daqueles que fica perambulando por aí, exceto em alguns dias complicados, para os quais perambular é o melhor remédio. Mas, até pouco tempo atrás, eu sempre dava uma voltinha a pé por aí, depois de qualquer compromisso e antes de voltar para casa. Nessas andanças, encontrava gente que não encontraria, descobria eventos dos quais não saberia e via casas, prédios e pessoas que não veria em outra situação. E a cada dia eu experimentava um novo ponto de ônibus, e um novo trajeto até cada um desses pontos. Depois que passei a andar de carro, as coisas se tornaram muito mais objetivas. Saio de casa, estaciono, desço, faço o que tenho que fazer e depois volto pra mesma casa de sempre. Ainda que o que eu tenha que fazer varie bastante, é só lá a minha chance de ter algum contato com o acaso.

Outro dia meu professor falava sobre um possível futuro para a televisão: os programas estarão disponíveis em satélite. Quando quiser assistir a um programa, é só "baixá-lo" através desse satélite. Aí eu penso: e aqueles programas, aquelas entrevistas que pegamos o finalzinho, aqueles seriados que nunca tínhamos visto, aquele filme que a gente vê só um trechinho... Poxa. E o acaso?

No Central do Brasil, a Dora diz que deveríamos andar só de ônibus, porque ele faz sempre o mesmo trajeto. Pra ela, andar de táxi é um perigo. Táxi faz retorno, varia o caminho, sempre pode levar ao engano ou a algum prejuízo. Daí ela pega um táxi ao encontrar o Josué e encontrar na vida dele um jeito de voltar a viver. Seguindo essa metáfora, afirmo com convicção: de vez em quando andar de táxi é muito importante e sem dúvida vale à pena enfrentar os altos custos de uma viagem como essa.

10 de set. de 2003

Que se abre


A mente que se abre a uma nova idéia jamais volta ao seu tamanho original.

Albert Einstein

Complicada essa constatação. Penso se não é hora de parar de abrir nossas mentes. Ou se, um dia, essa hora vai chegar. Sei não. As mentes andam muito esticadas... Vão acabar explodindo ou tornando-se maiores do que os próprios seres humanos. Eu, por aqui, quero continuar sendo maior que a minha mente. Há muito além dela em mim e em cada um de nós, afinal.

2 de set. de 2003

Prioridades


A felicidade universal mantém as engrenagens em constante funcionamento; a verdade e a beleza não são capazes disso. É certo que, cada vez que as massas obtinham o poder político, importava mais a felicidade do que a verdade e a beleza. Entretanto, apesar de tudo, a pesquisa científica irrestrita ainda era permitida. Continuava-se a falar da verdade e da beleza, como se fossem bens soberanos até a época da Guerra dos Nove Anos. Esta os fez mudar a cantiga, não há dúvida. Qual é a vantagem da verdade, da beleza ou da ciência, quando as bombas de antracita explodem em volta das pessoas? Foi aí que a ciência começou a ser controlada. Naquela época, o povo estava disposto a ser controlado. Daria qualquer coisa em troca de uma vida tranqüila. Desde então, começamos a dirigir. Decerto, não foi muito bom para a verdade. Mas foi ótimo para a felicidade. Não se pode tirar alguma coisa do nada. A felicidade tem seu preço.

Esse é um trecho de Admirável Mundo Novo, do Huxley, e retrata essa constante luta entre a verdade e a felicidade. O descontrolado progresso da ciência e da tecnologia parece em nada contribuir para a felicidade. Pelo contrário, gera novas necessidades e vende novas soluções temporárias, que em breve gerarão novíssimas necessidades. O mundo da ciência e da tecnologia funciona como uma empresa, e não como uma comunidade. Todos os avanços são destinados à busca de novos avanços, sem que os "antigos" sejam assimilados por todos os que por eles seriam beneficiados. E mesmo hora de rever se esse é mesmo o caminho que leva à verdade e, caso seja, se a verdade é mesmo mais valiosa que a felicidade.