23 de abr. de 2004

Pra virar borboleta (parte um)

Oi Clóvis,

estou fingindo que estou bem, e acho que está dando certo. passei lápis no olho. a Ângela falou que fico bonita. eu estou bem só, e acho que logo nem vou estar tão só assim. tenho tido várias coisas pra fazer e preenchido muito bem o meu tempo. o que me preocupa são as férias de julho, aí não sei mesmo como vou fazer com o meu tempo e a minha solidão. aí sim. fudeu tudo. mas para as férias de verão, eu e a Ângela fazemos planos de ir pro México.

hoje eu e a Ângela vamos tomar uma bebida mais tarde, mas não muito tarde porque temos provas amanhã. as aulas já estão quase todas no fim. me alegro. poder dormir muito me faz feliz sempre. é nos sonhos que vivo minha vida feliz, porque qualquer merda acaba quando acordo. adoro dormir. depois de uma bebedeira então...

agora mesmo eu penso em muita coisa: em não ir à aula amanhã, em dar uma passadinha na biblioteca, em pular pela janela. penso em ser alguém assim: séria e chata e sozinha. em sumir num buraco fundo do mundo. eu queria deixar de existir. eu penso sim, tudo isso é idiota e eu sei, mas já não quero resistir ao impulso de deixar de pulsar para sempre.

eu suspiro fundo e me sobe um nó, acho que hoje ele não vira borboleta, acho que, como ontem, ele vai ser lágrimas. amarga e cinza hoje. amarga, cinza e sem gosto. eu vou perdendo todo o gosto que tenho pelas coisas, por tudo. mas eu ainda gosto do copo de bebida e isso começa a me preocupar. eu queria ter um espaço no colo de alguém que fosse querido. e sou idiota e me sinto assim agora, por isso penso em parar de escrever.

um beijo,
Sônia

ps. me liga depois, e se eu não te ligo é porque só você sabe do seu tempo e das suas coisas.

22 de abr. de 2004

Pra virar borboleta (parte dois)


Oi Clóvis,

você não vai acreditar. acabei ouvindo um monte de desaforos. fiquei triste e chorei escondidinha no banheiro, voltei pra mesa decidida a encher a cara. eu bebi como nunca. foi ótimo. tinha um cara na mesa e eu fiquei falando minhas bobagens com ele e ele achou o máximo. disse que eu era poeta. fui embora pra casa bêbada e feliz. acordei cansada, não fui à aula, tomei um banho de duas horas e chorei bastante.

estou muito curiosa pra saber como foi o final da sua noite de ontem. pois é... fico amargurada pensando nas suas coisas, no jeito que você pode ter ficado. hoje eu não estou nada direta. hoje acho que vou sair pra beber com a Ângela. eu acho que estou ficando um pouco boba. entenda como quiser. mas não mate mais as suas aulas de redação. isso não.

eu já queria te ligar mas acho que não devo. e não sei o que faço. e não sei o que penso. puxa, acho que sua conversa de ontem me deixou com as idéias um pouco embaraçadas. e já tenho elas um pouco frouxas. e penso que talvez você me ligasse, mas você não liga, e não quero fazer disso tudo um drama.

acho que vou começar minha academia também, já não tenho nada a perder. eu queria continuar conversando, mas acho que assim aqui sozinha não tem jeito. bem, se você quiser tomar uma bebida, eu estou disponível todos os dias da semana.

um beijo,
Sônia

21 de abr. de 2004

Pra virar borboleta (parte três)

Oi Clóvis,

ontem eu cheguei da aula e pedi pro meu pai me levar no bar. ele não quis me levar, perguntou "esse negócio de buteco agora é todo dia?". só agora ele percebeu. e não me levou porque disse que é contra tudo isso.

fui a pé, sozinha e puta, quando parou um moço me perguntando ruas. eu disse tudo e pedi uma carona. simpático o rapaz. foi me contando que fazia psicologia e tal. o trânsito estava horrível. meia hora depois ele me deixou no bar, eu pedi desculpas por qualquer loucura, ele riu. foi uma aventurinha simpática.

toda a raiva que o meu pai me fez passou. mas adivinha quem estava no bar? falei um monte de bobagens. ele ficou irritado porque não sabe falar dessas coisas, gritou comigo. fiquei entalada, quis ir embora, chorei meia lágrima. ruim.

fiquei triste e quis ficar bêbada pra esquecer. foi o que aconteceu, e eu fiquei me achando um pouco idiota. foi uma bebedeira sem fim, até cachaça eu tomei. fui embora de táxi com a Ângela, dormi bem e hoje no primeiro horário não tive aula. voltei para casa, dormi mais e voltei. aqui estou eu, só e simplesmente. feliz.

um beijo,
Sônia

20 de abr. de 2004

Pra virar borboleta (parte quatro)


Clóvis, Clóvis...

eu queria poder esquecer tudo isso de uma vez, não consigo. não o procuro mais, ele não me procura. eu queria devolver todas as lembranças que estão comigo.

eu queria ter um amigo bom, sabe? pra ir além do que eu já sei. mas acho mesmo que não estou boa, nem pra ser boa amiga. tempos difíceis? estou lotada de coisas pra fazer, eu não quero, não tenho a menor inspiração. hoje fiz uma provinha mais ou menos, recebi outras com notinhas mais ou menos, achei ruim.

eu acho que estou quase me arrastando, odeio isso. e toda a verdade é que tudo isso pode mudar fácil assim, num estalar, mas ainda não sei. ainda não achei nada que me fizesse ver de outra forma. eu já nem quero mais ver nada - e se pudesse dormir todas as minhas horas...

nem o horóscopo me dá mais esperanças. eu nem queria ficar te falando essas bobagens, não leve em consideração. acho até que caberia alguma desculpa por aqui.

estou louca para receber todo o meu dinheirinho semana que vem, e vou me drogar e morrer de rir. se eu fosse pra bem longe ia ser bom. ou não.

um beijo,
Sônia

19 de abr. de 2004

Pra virar borboleta (parte cinco)


Oi Clóvis,

que bom que você gostou das palavras, eu estava inspiradinha sim. gostei das suas também, acho sempre que tudo pode ser muito mais simples do que nos parece. achei divertido que você achou de tudo sobre essa situação, e estaria mentindo se te dissesse que não pensei de tudo também.

ontem eu fui lá na casa e vi como nunca que foi o fim de tudo. fiquei que era um lixo, ainda estou um pouco péssima, hoje acho que vou tomar vodka. eu estava voltando de lá quando te encontrei. pena que não pudemos conversar. que saco. mas ia ser um pouco saco pra você também, eu estava chorosa que só, e ainda estou se penso em tudo. aquela sensação de nó na garganta...

estou louca, vou fumar um cigarro.

um beijo,
Sônia

18 de abr. de 2004

Pra virar borboleta (parte seis)


Oi Clóvis,

acabei passando o feriado bem quietinha, com um pouco de saudade, mas é isso mesmo. um pouco só, com meus pais no sítio da vovó, uns programinhas um pouco meus mesmo, por aí. foi bom porque preferi assim, acho que estou um pouco mais lúcida pra pensar, pra saber de mim e das minhas coisas.

no sítio, pensei e resolvi ser só. resolvi aceitar isso, né? que não dependo de nada, de ninguém pra ser o que sou, assim, eu mesma. eu estou mais tranqüila. menos ansiosa. um pouco mais livre do que eu imaginava.

ontem eu aluguei Frida e achei o máximo. foi sem dúvida o melhor filme que vi esse ano. hoje acho que vou alugar Thelma e Louise. e tal. bem, fiquei agora um tanto sem assunto e um tanto desconfortável, e é fato que fico por aqui.

um beijo,
Sônia

17 de abr. de 2004

Pra virar borboleta (parte final)


Oi Clóvis,

te escrevo hoje em resposta ao seu poema, que gostei. e se pensei em te analisar através dele, desisti. mas gosto muito das meias palavras, da palavra sã. gosto porque se subentende algo, gosto porque não sou muito direta. e por falar em não ser direta, não vou falar nada sobre aquilo. nem vou perguntar nada.

te confesso que ainda tenho medo, porque não sei como seria se me procurasse, eu não sei se ia achar bom ou ruim. e isso eu sei que não é bom. mas é isso.

achei bonito você dizer que vai ter que ver Frida com um outro alguém. mas não deixe de ver nunca, acho que você vai gostar até chorar.

e no mais, ando tranqüila pelas curvas de minha vida. fumo um cigarrinho e me deparo com tudo de grande que encontro em mim, me conheço. acho mesmo é que vou começar a viver minha vida, essa semana acho que nem bebo. é aquela coisa de finalmente enfrentar tudo o que ainda está por vir.

sábado é o aniversário da Ângela, e com certeza vai estar muito bom. todos os aniversários da Ângela foram bons. te espero lá. você sabe onde.

um beijo,
Sônia

5 de abr. de 2004

Porque é tu mesmo


Meu Deus combate sem nenhuma certeza. Vencerá? Será vencido? Não existe nada certo no Universo; ele se lança ao incerto e joga a cada instante todo o seu destino. Apega-se aos corpos quentes; não tem outra defesa. Pede socorro; proclama a mobilização por todo o Universo. É dever nosso, ao ouvir-lhe o grito, correr ao encontro de seus estandartes para combater ao seu lado. Para nos salvarmos ou nos perdermos com ele. Deus corre perigo. Não é onipotente para que possamos cruzar os braços à espera da vitória; não é todo bondade para que possamos confiantemente esperar que se compadeça de nós e nos salve.