Mostrando postagens com marcador diálogos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador diálogos. Mostrar todas as postagens

7 de nov. de 2007

O nome


Francisco estava dentro do ônibus, quando o colar da moça sentada à sua frente lhe chamou a atenção. No colar prateado, lia-se o nome Karina.

Karina... que nome bonito!
É o nome da minha filha.
Ah sim.

(Silêncio de um minuto, que Francisco resolve interromper)

E o seu nome, qual é?
Cleusa.
Bonito também, mas Karina é mais atual.

Calaram-se até a hora de descer.

10 de out. de 2005

Ritmia


- eu tô feliz.
- oh.
- eu acho.
- nossa, esse "eu acho" avacalhou.
- mas eu disse porque a felicidade é uma coisa meio incerta, meio difícil de se aproximar com tanta propriedade.
- ah tá.
(um momento de silêncio)
- mas sabe o que que eu acho?
- hum.
- que a felicidade vem quando a gente sente que tá fazendo a coisa certa. quando a gente acha que está no caminho adequado e que não há lugar melhor do que aquele que se ocupa, naquele momento.

4 de out. de 2005

Atropelados


- é que a minha cabeça está a mil, e às vezes parece que a gente está atropelando as coisas.
- eu sei. as coisas acabaram indo muito rápido.
- também acho.
- e eu falei que ia esperar seu tempo, suas coisas... mas é que eu não dei conta.
- é. mas eu também não dei conta. atropelei.
- de que vale economizar alma ou cercar um coração vazio?

3 de out. de 2005

Presente de grego


- você é ótimo.
(um momento de silêncio)
- posso te falar uma coisa que é um pouco brega mas é verdade?
- pode sim.
- eu só sou ótimo porque eu te encontrei. você me faz muito bem, me faz querer ser ótimo. esse jeito aqui é só com você. eu também gosto muito dessa pessoa, na qual a sua presença me transforma.

12 de jul. de 2005

2 am


- Você ainda balança?
- Balanço e quase caio.
- Nossa, fiz uma cara aqui que nenhum emoticon consegue representar. Inúteis.
- Cara de quê?
- Ah. Acho que nenhuma palavra consegue representar também. Inúteis.
- E agora?
- Ah, eu gosto de você viu. Meio sem jeito mas gosto.
- Por que meio sem jeito?
- Ah, porque eu nao sei contextualizar, demonstrar. Sei lá.
- Mas eu gosto, por mais que sem jeito também, de você. E gosto de você gostar de mim.
- Que bom isso, assim a essa hora, assim sem porquê. Assim que é bom gostar.
- Oh... quase um post.
- É verdade.

3 de nov. de 2004

Assim por diante


Numa conversa sobre fidelidade...

A ocasião faz o ladrão.
A bebida faz a ocasião
Logo, a bebida faz o ladrão.
Quem não bebe não trai.

E assim por diante.

29 de jul. de 2004

A sorte de um amor tranquilo


segunda
- e ontem foi tão bonito porque nele eu vi o meu passado, os que passaram. e ele foi capaz de despertar em mim algo de bom, de valioso sobre os que um dia rejeitei.

terça
- e hoje foi horrível.
- como assim?
- eu finjo (como sempre, desde uns tempos pra cá) que nada acontece em mim quando o encontro.
- e será que alguém ainda acredita nisso?
- eu não. e nem ele, imagino.
- e o que será que nele acontece no caso desses encontros?
- não sei. vejo-nos com os olhos baixos, desconversados, presos às formalidades e banalidades. sem que consigamos afastarmo-nos um passo sequer desse incômodo lugar. deixados a sós: banal, banal (sem ao menos uma piadinha mais arriscada, mais sugestiva). ele vai ao grupo e sigo-o até o momento em que percebo a minha inexistência instantânea, a minha ausência situacional. resolvo então assumi-la e sair da história.
- nossa...

quarta
- e hoje?
- através da janela eu o vejo. sozinho, em busca de alguém, de qualquer pessoa que não seja eu. parece ser apenas uma história que acontece através da janela, dentro dela. as demais são demais para mim. essa me basta.
- eu não sei como você aguenta...
- vestígios de confiança me conduzem a essa situação. todos os esforços para que (1) ele me veja, (2) pense que não o vi, (3) levante-se e (4) venha até mim.... (já haviam mais de oito passos traçados e nenhum ainda dado)

(de novo assim: uma vida a gente vive, a outra a gente guarda)

quinta
- e aí?
- passo então a acreditar que não deveria ser, prefiro assim. afirmo a mim mesmo que os amores são recíprocos, que dois que se amam aproveitariam as situações que encontram, que não seriam capazes de ignorar a improbabilidade dessa situação, nem a sua unicidade.
- entendi. em todos os meus amores foi assim também. nos grandes amores e nos grandes prazeres. nos outros, a autoridade e a hierarquia, as relações de favorecido e favorecedor aniquilaram tudo.
- então acabou, prefiro assim. que esses favores eu não peço a ninguém.

28 de mai. de 2004

Devaneios midiáticos


- Eu quase não vejo televisão.
- Você é que tá certo. Eu vejo bastante. Vejo muita novela.
- É mesmo? Você gosta?
- Mais ou menos, mas minha namorada adora...
- Sei.
- Aí eu tenho que ver novela. Por que, se não, a gente vai conversar sobre o quê?

23 de mar. de 2004

Pra cá

segunda feira, 2:13 AM

- Alô.
(Elena não diz nada)
- Alô.
(Elena sorri e não diz nada)
- Fala, Elena.
- Oi. Desculpe. É que eu achei que você não fosse atender.
- Como assim?
- Ah. Já é tarde... É segunda feira... Achei que você estivesse dormindo.
- Então você me ligou, mas não queria que eu atendesse?
- Ah. Não sei. Eu queria que você acordasse amanhã e visse que eu tinha te ligado. Só isso.

(Elena sabia que não precisava dizer mais nada. Ele já havia entendido.)

2 de fev. de 2004

Paisagem


- Alô.
- Alô. Quem está falando?
- É Elena.
- Elena, acho que a gente não se conhece e na verdade eu queria mesmo era falar com um amigo meu, mas o telefone dele estava ocupado e o seu estava aqui, anotado no bloquinho... Bom, então eu acho que vou falar com você mesmo, você se incomoda?
(Elena sorri discretamente e não diz nada)
- Elena, sabe quando algumas coisas que antes eram importantes deixam de importar e tudo o que você quer é prosseguir na estrada, calmamente, vendo tudo o que há de bonito na paisagem? E aí você descobre que há muito mais nessa estrada do que você seria capaz de imaginar. E aí você resolve desacelerar um pouco, para que alguns daqueles que ficaram lá atrás se aproximem. E aí você percebe que eles são partes importantes dessa estrada e dessa paisagem. E aí você continua, sem temor algum, por ver lá na frente uma paisagem ainda mais bonita.
- Sei, sim. Esse é você?
- Isso. Eu vejo uma paisagem muito bonita lá na frente, e também ao meu lado. E eu queria ter três ou quatro olhos para poder enxergar mais e enxergar sempre. E enxergar também o que acontece atrás de mim. Mas aí eu me lembro que isso não é possível, e nem por isso eu perco a calma. A paisagem me preenche e me tranquiliza.
- Um dia eu ouvi que paisagem é tudo aquilo que devolve o olhar. Você deve estar apaixonado.(Ele sorri discretamente e não diz nada)

Ele e Elena despedem-se. Os dois colocam o telefone no gancho ao mesmo tempo. E por alguns minutos não tiram os olhos do aparelho.


17 de out. de 2003


- o que é que faz não saber querer menos, querer por querer?
- sempre por morrer, pra poder viver.
- o que é que faz não saber fazer passar, deixar pra lá e continuar?
- o que é que faz só melhorar com outro lá, no seu lugar?
- sozinho e cá, não faz. não dá mais.

25 de jul. de 2003

Acima da verdade

Acima da verdade existe outro dever muito mais importante e muito mais humano.
Nikos Kazantzakis

Alô?
Alô, quem fala?
É o Daniel.
Você é filho do Prof. Eros?
Sim, sou eu.
Ele está?
Não...
Está viajando?
Não, não...
Sei. Sabe quem está falando? Aqui é o Eduardo. Eu fui colega do seu pai na Escola de Guerra, lá em Viçosa. Nós também estudamos o científico juntos... Nós morávamos na mesma república, éramos muito amigos naquela época. Depois cada um foi fazer a sua Universidade... Depois disso nos encontramos poucas vezes. Mas eu fui ao casamento do seu pai, conheci os dois filhos quando nasceram... Nunca perdemos contato. Mas já tem alguns anos que não nos falamos... Você já se formou?
Não, não. O senhor não deve saber, mas depois de dez anos meu pai teve outro filho, que sou eu. Eu tenho 19 anos. O senhor deve estar me confundindo com meu irmão.
Ah, é verdade. O seu irmão é o... Rodrigo. E a mais velha é mulher, né? Já se casaram?
A Vanessa já se casou e tem um filho e uma filha. O Rodrigo vai se casar no ano que vem.
Que bom. E a sua mãe, está boa?
Tudo bem, tranqüilo.
E a sua avó, como está? Quando conversei com seu pai ela estava doente...
Ainda está doente, está velhinha... mas tudo tranqüilo. A situação é estável.
Que bom. Fico feliz. Então, Daniel... é Daniel mesmo, né?
É.
Então diga ao seu pai que o Eduardo de Viçosa ligou. E mande um abraço pra ele.
Pode deixar. Um outro abraço para o senhor...
Foi um prazer falar com você, Daniel. Um abraço pra você também, para os seus irmãos e para a sua mãe. Ela deve se lembrar de mim...
Pode deixar. Até mais, Eduardo. Pra mim também foi um prazer.

Bom. Nessa época meu pai tinha morrido há uns quatro meses. Não sei se preferi ou se não consegui falar a verdade. De qualquer forma, não me arrependo e até me orgulho.

23 de jul. de 2003

É fita


Tenho dois sobrinhos-crianças, Lucas e Marina. Seus pais sempre compraram e alugaram muitas fitas de vídeo para os dois, além de sempre os levarem ao cinema.

- Oi, Marina. O que você fez hoje?
- Hoje eu vi o filme da Xuxa e os Duendes 2.
- Olha. E o filme era legal, Marina?
- Era.
- E como era a história do filme?
- Tinha a Xuxa... que era amiga dos duendes. Tinha a Angélica, que era fada. E tinha o duende... E tinha o Aranha...
- O Aranha? O Aranha não é de outro filme, Marina?
- Não, ele era amigo da Xuxa, do duende... O duende era pai do Aranha.
- Anh... Mas o duende era pai do Aranha? De verdade?
- É verdade... (pensativa) É mentira... (pensativa) É fita.

Que alegria. Uma menina de três anos que já sabe que há diversos degraus entre a verdade e a mentira. Entre eles, a ficção e a tal fita. Fita que não passa de um olhar sobre uma realidade, que não pode ser chamado de mentira nem de verdade.