11 de jan. de 2004

Desconhecida


O que era exatamente aquela sua curiosidade sobre o que se passava dentro e fora dos outros?

Curiosidade até então inofensiva, até então insaciável, que lhe parecia pouco saudável. Talvez essa fosse uma visão cultural das coisas. Bla bla bla. A curiosidade persistia, e restringia-se aos presentes. Os distantes, assim como as palavras por eles proferidas, mantinham-se firmes em segundo plano.

Assim, cada janela aparecia-lhe como uma possibilidade. Cada transeunte - uns mais e outros menos - aparecia-lhe como um candidato à próxima palavra ou ao próximo abraço ou ao próximo beijo. Sua fixação pelo desconhecido e pelo imediato gratuito casual consumia-lhe deliciosamente. Resolveu que os motores da sua vida seriam os pulsos imediatistas, que essa seria a sua natureza. Aboliu os compromissos formais com o vivido, o prometido e o subentendido. Esquivava-se também dos planos, dos desejos maiores e dos previamente arquitetados. Libertava-se à medida que, por puro gosto, passava reto em frente à porta da sua casa, rumo à até então desconhecida próxima esquina.

Mas havia alguém que, misteriosamente, sempre trazia-lhe de volta dos tais passeios. Com muita discrição. E isso muito lhe agradava. Será que, quanto mais alto está o patrão, mais longa se torna a corda da escravatura? O escravo pode então agitar-se numa arena mais espaçosa, e morrerá sem nunca ter encontrado a corda. Será isso então que chamamos de liberdade?

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