23 de ago. de 2003

O silêncio


Foi a primeira coisa que existiu: o silêncio que ninguém ouviu. Quem disse foi o Arnaldo Antunes. E hoje eu tento falar sobre o silêncio. Não falo do silêncio do só, empiricamente produtivo e necessário, mas do silêncio a dois. Ontem ouvi que o silêncio é fértil. E bem possível, pode ser. Há quem se incomode muito com um momento de silêncio, o que torna-o um momento propício para palavras que não seriam ditas no movimento inerte da conversa cotidiana. O silêncio quebra a inércia e impede que embarquemos nela. Ao contrário dos objetos em repouso, a tendência de objetos (humanos) em silêncio não é permanecer em silêncio.

Um dia meu professor disse que a natureza não suporta o vazio. Há sempre uma busca por preencher seus espaços vagos: dentro de um tronco velho, entre duas pedras, num vale... A natureza sempre tenta preencher, seja com um musgo ou uma casa de passarinho. Caixas e garrafas vazias, com o tempo, se enchem de poeira. As pessoas, como parte da natureza, também rejeitam o vazio. Não importa se é um vazio aparente ou se não passa de um estágio do almejado preenchimento. Parece ser sempre necessário estabelecer alguma relação entre duas pessoas. Ainda que seja uma relação de poeira. Eu, por agora, me lembro de uma época em que lidava melhor com o silêncio. Ontem tive dificuldades com o silêncio, mas me surpreendi. Ao invés de poeira, do silêncio nasceu um ninho. Um lugar para crescer e provocar crescimento.

O Nikos diz que o que nos move, na vida, é um grito. Cada um serve de ponte para um grito. Disso eu falo depois. Hoje me lembro que ele acredita no silêncio como o último degrau da vida (ou seja, da síntese). E sobre o silêncio que transcende, ele fala o seguinte: Não porque seu conteúdo seja o supremo, inexprimível desespero ou a suprema, inexprimível alegria e esperança. Nem porque seja o supremo conhecimento que não se digna a falar, ou a suprema ignorância que não consegue falar. Para o Nikos, esse silêncio é sinal de amadurecimento - silencioso, indissolúvel e eterno como o Universo.

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