26 de jul. de 2003

Desenvolvido


Uma tendência que vejo em você é o temor de encarar toda a seriedade desse trabalho: você experimenta algo como uma necessidade de rir, de fazer pouco, de comentar o que você e seus camaradas executam. É como se quisesse fugir a responsabilidade que sente em relação ao próprio trabalho e que consiste em estabelecer uma comunicação com os outros homens e assumir as conseqüências do que revela.

Já há algum tempo, frases como "não estou me dedicando muito", "estou fazendo tal coisa só para ver no que dá", "não ligo muito pra isso" podem ser ouvidas por todo lado e a todo momento. Em algumas situações não se faz necessário ou é mesmo complicado se envolver ou se entregar totalmente a um projeto. Seja lá esse projeto um namoro, um novo trabalho, um regime, um vídeo, um concurso... Mas diante da crescente freqüência desse tipo de postura, às vezes me pergunto se não trata-se de uma defesa, ou mesmo de conformismo. É claro que não dá pra se envolver por inteiro em tudo o que se faz, mas é fundamental acreditar - e assumir que acredita - em alguma coisa.

A falta de dedicação e a aparente despreocupação em relação a um projeto podem funcionar como boas desculpas para o sempre possível (e sempre aceitável) fracasso. Desculpas que são aceitas socialmente, e também pelo próprio indivíduo. Que levam a uma situação de pleno conforto: se nada é importante e nada faz real diferença, com o que se preocupar? Aí entra uma postura ainda mais nítida. A necessidade de rir e de fazer pouco de quase tudo.

Aula boa é aula engraçada. A pessoa mais admirada? Aquela que não se importa e não se envolve com nada. Que consegue passar sem saber nada da matéria. Que deixa pra depois um amigo um pouco distante ou precisando de uma boa conversa, mas sabe o nome de todas as pessoas da balada.

Na Teoria Política, Calligaris determina duas posturas: "gozar" e "construir". Gozar é ter prazer momentâneo; e construir é algo como investir num estado de prazer. A Teoria Política refere-se, com isso, à relação entre cidadão e pátria. Na vida, enxergo nitidamente essas posturas nas relações entre duas pessoas. É claro que gozar tem seu lugar e seu valor. Ô se tem. Mas tentar construir é estar na vida por inteiro, colocar-se em cheque. É o que me dá sentido.

O trecho em itálico é um fragmento da Carta ao ator D., escrita por Eugênio Barba, precursor da Antropologia do Teatro e orientador de um grupo de atores no qual teatro e modo de vida se misturam. Experimente substituir a palavra "trabalho" pela palavra "vida" no trechinho lá de cima.

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